TEMAS

quinta-feira, novembro 17, 2011

Nesta linha de um pensamento heteredoxo radicado no cinema, que se constituiu desde sempre com Andre Bazin, passando por Kracauer, até ao mais recente filósofo e psicanalista Slavoj Zizek produziu-se já uma enorme literatura sobre o cinema, que se abre a uma introspecção viva sobre produtos audiovisuais cada vez mais complexos.


BIBLIOGRAFIA:
BRESSON, R.(2000). Notas sobre o Cinematógrafo. Porto: Porto Editora.
CERDÁN, J. et alii. (2005). Documental y Vanguardia. Madrid: Ediciones Cátedra (Colecção Signos e Imagen).
PERNIOLA, M. (2005). A Arte e a sua Sombra. Lisboa: Assírio & Alvim.
PETERS, F.E. (1997). Termos Filosóficos Gregos. Um léxico histórico. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkianm.
QUINTANA, À.(2003). Fábulas de lo visible. El cine como creador de realidades. Barcelona: Acantillado.

quarta-feira, novembro 16, 2011

ÚLTIMAS REALIDADES DO (POS) CINEMA.

A episthamai(ª) de Quintana sobre a autoconsciência realista num certo cinema contemporâneo é abordada, de um ângulo diferente na dissertação “Diálogo entre el documental y la vanguardia en clave autobiográfica” por Efren Cuevas, que contribui com novos dados ao abordar relatos autobiográficos no cenário da produção de documentários de criação como, por exemplo, Reconstruction (1995), longa-metragem do canadense Laurence Green, na qual designa o carácter autodiegético da narração off (aliados a um conjunto de técnicas experimentais, entre as quais a foundfootage), como a representação, ipsis facto, de uma autoconsciência que visa, por fim, colocar o próprio sujeito, cognoscente e cognoscível, no centro do relato autobiográfico, subordinada a uma matéria real - histórica, social ou política (Cuevas: 2005).

Na mesma linha a autora, Maria Luísa Ortega, num texto intitulado «Documental, vanguardia y sociedad. Los limites de la experimentacion», defende que já se afirma, paulatinamente, um novo compromisso ético nos discursos fílmicos sobre a realidade e uma modéstia epistemológica que se deve a convicção de que os factos e acontecimentos nunca são independentes dos dispositivos que se utilizam para abordá-los, analisá-los e representá-los, havendo, sempre, por consequência, a intromissão e o pensamento sobre eles (Ortega: 2005). Segundo ela, assumiu-se, assim, no quadro das realizações cinematográficas, um manifesto estético-político que rejeita uma suposta superioridade moral que advém, tendencialmente, de uma «posição privilegiada» de quem realiza. Referindo-se aos documentários vanguardistas ABC Africa (2001) de Abbas Kiarostami e Les glaneurs et laglaneuse (2000) de Agnés Varda, a autora assevera que estas novas formas de documentário nos revelam quão difícil se tornou no século XXI falar de um mundo sem falar do nosso lugar nele.

-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------

(ª) Episthamai: na palavra grega significa «chegar a uma paragem».

terça-feira, novembro 15, 2011

O CINEMA COMO CRIADOR DE REALIDADES (10): Abbas Kiarostami.

O autor atesta que Kiarostami, aproveitando a ligeireza do recém descoberto dispositivo tecnológico, radicaliza ainda mais o seu sentido de abstracção em Dah (2002) (Dez) um filme pelo qual o cineasta especula sobre o conceito tradicional de encenação. Num longo campo-contracampo, no interior de um carro em movimento, com duas câmaras imóveis (uma para a condutora e outra para os sucessivos acompanhantes da viagem, a quem ela vai dando boleia), Kiarostami discorre sobre os diferentes temas que fazem parte do tecido urbano de Teerão, sem que a cidade alguma vez seja retratada, sendo a palavra o único elemento que flui na narrativa. O diálogo se torna, assim, na única via para a descoberta de uma cidade e de uma cultura de opressão.

Segundo o autor, esse dado é, necessariamente, a que obriga a uma reeducação do olhar, por parte do espectador, perante o excesso das imagens no mundo actual, que afastam toda a função cognitiva, num universo sensível em que o visível acaba por ser confundido com o real. Para além desse descentramento que se verifica no cinema iraniano o autor constata, também, a existência de um núcleo de cineastas que ele caracteriza como «francoatiradores que desde la autoconsciencia practican la resistência»[1] (Quintana, 2003: 296).

O autor chega à conclusão da sua eminente tese afirmando que, é certo que, para o grande negócio do audiovisual, a «caverna platónica», que imobiliza e que leva o espectador a convocar espíritos, é um precioso aliado, uma vez que a indústria desconfiou, desde sempre, desses objectos audiovisuais apegados à uma autoconsciência realista, que ele chama de «fábulas do visível», por estes se apresentarem cada vez mais, na sua essência, como a afirmação de um pensamento.



[1] Jim Jarmusch, do cinema indie norte-americano, que encontra a sua vigência desde a marginalidade artística nova-iorquina, é exemplo paradigmático dessa classe de cineastas resistentes.

segunda-feira, novembro 14, 2011

O CINEMA COMO CRIADOR DE REALIDADES (9): Abbas Kiarostami.

Consequentemente, os tratados cinematográficos realistas do cinema de Kiarostami, confluem, segundo Quintana, numa abstracção que atinge um nível de depuração máxima, por exemplo, no filme Bad maara jahad boro(1999) (El viento nos llevará) em que um grupo de cineastas chega a um povoado, no norte de Irão, para filmar uma costumeira cerimonia ritual que se realiza sempre que uma pessoa morre naquela região. Intrigante é que os cineastas esperam que se produza a morte de uma idosa moribunda mas só que, no meio dessa pulsão pela morte, algo mais se afirma: a vida. Os cineastas acabam por filmar tudo menos o ritual cerimonioso. Segundo Quintana, esta busca obsessiva e incessante do real que caracteriza o cinema de Kiarostami conduz o cineasta a uma posição próxima do cinema de Robert Bresson, ou seja, como ele afirma: «construir el universo de las imágenes a partir de las marcas de lo visible, forzando la actividad mental del espectador» (Quintana, 2003:242). Enquanto se espera pelo motivo, Kiarostami não mostra sequer as personagens chaves para a compreensão do relato, deixando ao espectador a tarefa de fazer o seu «exercício sobre o visual» que apela de forma directa à sua consciência activa, como fez, aliás, Bresson em Fugiu Um Condenado Á Morte (1956) filme no qual nunca chegamos a ver os guardas prisionais, nem o chefe da penitenciária, ou, sequer, as instalações.

sábado, novembro 12, 2011

O CINEMA COMO CRIADOR DE REALIDADES (8): Abbas Kiarostami

Abbas Kiarostami

Quintana equaciona, por último, uma reformulação contínua do realismo que, segundo ele, acaba por oferecer a possibilidade de uma «percepção não emotiva» que se opõe às formas do «simulacro do real» apresentadas pelos órgãos de comunicação social: «la gran caverna platónica construída en la sociedade del espectáculo» (Quintana, 2003:252). Nessa busca contínua de um novo realismo no cinema contemporâneo, Àngel Quintana aproxima-se, então, da arte do cineasta iraniano Abbas Kiarostami, pleno de um novo realismo e de uma nova autoconsciência no cinema contemporâneo. Para nos fazer compreender isso o autor recorre à trilogia do cineasta formada por Khneh-ye dust kojas? («Donde está la casa de mi amigo?», 1987), Zendegi na digar hich («Y la vida continua», 1992), e Zir-e derakhtan-e zeytun, («A través de los olvidos», 1994) elevando, finalmente, essa autoconsciência ao nível de uma tensão que se estabelece entre ficção e realidade criada nos filmes. É o caso por exemplo de Zendegi na digar hich em que um alter ego de Kiarostami, no filme, vai à procura da criança, intérprete do primeiro filme Khneh-ye dust kojas? que supostamente terá desaparecido num sismo que assolou a região de Gilan. Segundo o autor, esta poética neo-realista em Kiarostami, que se distancia de Roberto Rossellini, gira em torno de um jogo de repetição, como atesta na seguinte passagem, a propósito de Zendegi na digar hich:

« …la obsession está orientada hacia las dificultades del protagonista para convencer a la chica que ama para que abandone los condicionantes familiares que frenan la materialización de su posible amor. El juego de repeticiones no marca uma evolución en las relaciones solo sirve para testimoniar el peso de la obsessión». (Quintana, 2003:244).

Uma propriedade que o autor denomina, ainda, de «estrutura en abismo», que está presente no cinema iraniano, em geral. O autor deixa claro que a autoconsciência de Kiarostami não é o de criar uma ilusão realista; pelo contrário, ela representa a mesma crise realista que provocou o quadro Las Meninas de Velázquez no domínio da pintura, na qual o espaço de representação é ocupado pelo pintor e pelos espectadores da tela. È o que se vê no filme O Sabor da Cereja (1997), em que o próprio realizador aparece na cena final do filme para dar uma outra visibilidade ao processo, diluindo a fronteira entre o real e o ficcional. Essa tendência está muito mais vincada em Close Up (1990) : na vida real um individuo que foi submetido a um processo judicial por pretender ser o director de cinema Makhmalbaf, para camuflar a sua verdadeira identidade e dissipar uma espécie de sofrimento, se converte em protagonista de um filme de ficção com técnicas de documentário. O autor, ressaltando este aspecto peculiar do cinema iraniano num interessante exercício de linguagem, observa que:

«en las principales películas iranies, el juego de la autoconsciencia convierte a la câmara en una especie de espejo cóncavo que, después, de capturar a realidad, muestra los reflejos del proprio acto de captura de esta realidad.» (Quintana, 2003:241).