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sexta-feira, dezembro 05, 2008

ÕNTI Y ÔJI - Parte II

Numa das minhas longas temporadas em Lisboa entrei por acaso na Sociedade de Geografia de Lisboa, na Rua Portas de Santo Antão, no Rossio, para pesquisar um assunto do meu interesse e fiquei maravilhado com a quantidade de coisas que se pode retirar do baú da nossa história. Fui dar com um daqueles grandes livros cheios de pó servidas por uma dessas funcionárias «libidinosas». Mas naquela hora ninguém me podia tirar a concentração! Acotovelei-me por sobre a tampa da mesa (okay, agora sou Ulisses amarrado pelos seus homens no mastro do navio) e li como se nunca o tivesse feito antes.

Fui folhando e relendo o Boletim de Propaganda e Informação de Cabo Verde até chegar ao n.º 125 Ano XII, de 1961. Parei aí, porque entrevi um caso que me pareceu um desses episódios literários pouco comuns. Escrevia no referido boletim um jovem Arménio Vieira no mês de Janeiro de 1961 um poema que foi censurado de forma hedionda por um tal de Emílio Machado, obscuro português, que re-escreveu o poema de novo e á sua maneira! [algo como uma espécie de censura poética (isso existe?!)]. Sentida uma vez sentida sempre, não há volta nem justificações]. Pensei «mas que brincadeira é essa!?». Isso é como se a natureza do poema ou da pessoa que o escreveu fosse «corrigível» ou «empadronizável». Acho que o poema se chamava «Nem sei o que daria» (corrija-me o leitor, se este leigo no assunto estiver em erro).

Bom, nesse mesmo ano no mesmíssimo referido boletim Corsino Fortes, publicava um poema no qual, a meu ver e na minha modesta visão literária, «vingava», poeticamente o seu compatriota numa asserção ontológica que não admitia quaisquer «amarras»:

Só as palavras vencem
A inércia do esquecimento
Só elas lavam
O sangue do presente
E só a partir delas descobriremos
O perfil do Todo e do Nada

Num momento
Apagam as estrelas
E decantam o mundo

Não lhes arranquem
Nem o jogo que as aquece
Nem o gelo que os entorpece.

Nem as vistam
De noite nem de dia
Nem os moldem
No buraco que ficou
Do furacão que passou

São outras tantas vidas
Com existência e alma própria.

Corsino Fortes

Naquele momento, na minha leitura, á luz dos novos tempos era um acontecimento que mexia com algo. Aquilo que parecia apenas uma disputa literária prefigurou-se a mim como a mais flagrante chamada de atenção, naquilo que foi desde sempre, em Cabo Verde, um campo de batalha contra o poder colonial.

Nesse mesmo ano, em Fevereiro de 1961 novos dirigentes de Rádio Clube de Cabo Verde tomavam posse a 2 de Janeiro e nesse mesmíssimo ano realizava-se no arquipélago o documentário cinematográfico «O Homem e o Trabalho» por Miguel Spiguel com a ajuda de um cameraman chamado Aquilino Mendes. Foi também em Abril desse mesmo ano que se inaugurou o Palácio da Justiça e foi no mês seguinte, que ocorreu uma série de sessões de cinema educativo promovidos pelos serviços das instituições de vários pontos das ilhas com um público formado por crianças das escolas e adultos.

Isso foi o que lá estava registado mas o que contava lá, mais do que o menear das ancas da «libidinosa» funcionária, era a minha experiência intimista, o meu diálogo com o passado, e toda a minha vã «guerrilha intimista» contra aquelas anc... evidência histórica. Nada de factível para a nossa história oficial ...


Mas sim, voltando ao nosso presente já é altura do Arquivo Histórico Nacional ter essas relíquias ou pelo menos as suas réplicas, não é? È pa traze tud de volta otu bez.


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