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quarta-feira, dezembro 03, 2008

O DESTERRO DO POETA (versão cedida pelo autor)

O DESTERRO DO POETA
(versão segunda)

ao Arménio Vieira, inveterado mestre da palavra
e das incongruências do quotidiano

Num dia qualquer
de Junho ou Março
expulsaram-te da tua taverna predilecta!

Dizem
consumias demasiado café
(ah! essa tua mania
de fazer o vagar do dia
vogando na solidão
recostado ao fumo teu e dos outros)

Dizem
trazias a poesia
para o coração
dos marginais dos desesperados
das vítimas da cidade e da rotina

Dizem
enchias de vaticínios e paradoxos
a nudez das tardes e a rispidez dos enredados
nas incongruências do dia e do quotidiano

Mas
- chateiam-se -
porque enxertas a poesia
aos estádios
e a outras rotas circulares
dos fanáticos da bola?

O poeta deve ser discreto
e exemplar na sua pose austera
mas tu
-desesperam-se –
dás trela aos que no futebol
são os sábios dos sábios
(e são quase todos os habitantes
destas urbes e suburbes)
e perdes o teu lato tempo
pormenorizando os dribles
discorrendo sobre as fintas de tal e tal jogador
(afinal um simples proletário
da várzea da companhia
ou, lastimam urbanos e cépticos, de ribeirão chiqueiro!...)

Um poeta deve ser
sisudo e sorumbático
e protótipo de uma postura filosófica!

Mas tu
- arrepiam-se -
cabelos em desalinho
em mangas de camisa
as sandálias franciscanas desapertadas
o peito ao sol e à bruma
discutes futebol
e pagas bicas e água tónica
a todos os que se vangloriam
de serem cortesãos do teu condado

Será isso
digno de um poeta
ademais consagrado?

Por isso
instaram-te a mudar
o teu indeclinável percurso
de todos os dias
e proibiram-te de consumir café
na tua irremediável taverna
das tardes todas
(diacho de poeta
que não cumpre a sina da boémia
e não consome nem scotch nem ceris!)
e colocaram o teu assento predilecto
num recanto da penumbra
(agora aí se senta
um velho funcionário reformado
em matrimónio indissolúvel
com o seu imperceptível silêncio)

Oh! pior
quando o teu poema saiu
numa das revistas da cidade
negaram-se a vender a revista
e em magotes amontoaram-na
com os restos de velhas publicações ilustradas
e com os dejectos dos turistas alemães
incomodados com a tua inconfundível conversa
sobre a gramática o futebol
e o non sense do quotidiano…

Lisboa, Julho/Novembro de 2008

(versão refundida do poema com o mesmo título
publicado na revista Fragmentos, nº 5/6, 1989)

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