Há dias tive numa conversa taciturna com o meu sobrinho de 17 anos. Ele foi apunhalado quatro vezes em plena luz do dia quando ia ao encontro da namorada. Três jovens, da mesma idade que ele, aguardavam-no num beco do Bairro empunhados cada um de uma arma branca e de um boca bedju que não chegou a ser disparado, porque alguém gritou «por favor, aqui não!». Ferido e mal pago foi parar ao HAN inconsciente, levado por umas freiras. Esteve a contar-me como foi e quando lhe confrontei com a questão «mas porquê?» ele foi lacónico: «queriam aquilo que é meu e não lhes dei!» (disse isso como se confirmasse uma verdade há muito esquecida). «E o que é que eles queriam?» repliquei. «Os meus tênis Nike». Esses putos já matam por umas "míseras" sapatilhas! Nos EUA, que há muito deixou de ser só um lugar na terra, ou num cenário de guerra encarniçada e irracional, até se compreende que tal fenómeno aconteça, mas aqui em Cabo Verde temos que ir mais a fundo para compreender melhor. Já nem se trata de querer a todo o custo um bem ou um produto. Já não é só cobiça. È que esses putos que o atacaram dividiam antes, na mesma casa da zona, a panela de arroz e cachupa que a minha pobre irmã preparava para todos. Estamos a lidar com algo completamente novo! Anteontem um desses jovens, pertencente a um outro bairro, foi baleado enquanto comia à porta da casa. Algo errado e miserável anda a acontecer! Algo profundamente mau aos olhos cristãos!
E não me atrevo a equacionar nenhuma causa ou efeito. Porque já não se trata de Ciência. Estes jovens perderam a Fé! Pura e simplesmente! Para mim faz mais sentido, para o que se passa, falar em Bem e Mal do que apontar possíveis causas económicas, sociais ou políticas. Eu não vejo nenhum efeito imediato entre querer umas sapatilhas e matar por elas, senão a voz ancestral do Mal, tal como é contada na Bíblia, sem tirar nem pôr. Eu, que até gosto da Ciência, não quero desmistificar essa ideia do Mal. Seria demasiado perigoso para a humanidade se reduzirmos essa questão a um conjunto de preceitos psicológicos ou socializantes. Não se trata de nenhuma regressão de carácter medieval mas de saber o que se deve ou não se deve fazer num ser humano. Estes putos passam horas na internet e não acertam com www.thewaytohappiness.org que até faz questão de dizer que não é religioso (para quem já desconfia das religiões!) mas sim, e apenas, a common sense guide to better living.
Foto: Carlos Santos - 20 anos (Liberal On Line)
2 comentários:
Eu perguntaria, meu bom amigo, para além das interrogações psicológicas ou metafísicas, quanta pressão desse agressivo monstro mediático chamado publicidade não andará, por aí, a colaborar com o mal bíblico que envenena os sonhos dos nossos jóvens?
Pois é, Zito. Puro veneno! A publicidade não está a ser pensada com a ética necessária. Por acaso, até sou professor de Atelier de Publicidade e uma das coisas que recomendo aos meus alunos é que uma ideia genial nem sempre é eticamente boa. Tem que haver uma autoconsciência crítica que avalie o impacto dessa ideia num dado agrupamento social. Essa directiva vale para qualquer outro produto audiovisual que seja tornado público.
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