Uma das qualidades mais marcantes do homem europeu tal como o conhecemos desde o sec.XIX para cá é a ironia: esta subtil agilidade mental eivada de uma tênue vontade de troçar. A ironia é sempre um sinal da vitalidade europeia, assente num modo de ser que deve muito á sageza francesa, ao espírito alemão e ao calculismo inglês. Estes atributos acabam por transformar situações perfeitamente normalizadas em complexas estruturas de combate ao mais alto nivel ideológico, afectivo e científico.
A independencia (ou a autodeterminação?) do caboverdiano fez-se com esta ironia tipicamente europeia. Isto é, na verdade não combatemos nenhuma guerra como nação. Tivemos, sim postos importantes, sobretudo admnistrativos, na era do colonialismo português. A luta de libertação teve no caboverdiano o seu mentor e estratega. Neste aspecto foi mais longe do que o Portugal colonial. Uniu-se aos irmãos da Guiné e derrubou o colonialismo português com método e calculismo tipicamente europeus, que aprendera. Quando a PIDE, serviços secretos portugueses, intervieio junto dos guineenses fomentando questões étnicas, adormecidas, não fizeram mais do que utilizar os mesmos métodos (mas já um pouco tarde). Provocaram o assassinato de Amilcar Cabral, que os tinha antecipado em toda a linha, ao mesmo tempo que se lamentaram por o terem perdido numa altura crucial para o seu regime. Perderam a oportunidade de dialogar com ele e de transformá-lo num aliado, tarefa impossível, não só pelo espírito inquebrantável de Cabral, mas devido á própria marcha do tempo. Alguns combatentes guineenses, incluindo Inocencio Cani (mão criminosa), foram apanhados no meio deste jogo de antigos colonos vs novos colonos. Eles acabaram, afinal, por combater duas guerras: uma contra os portugueses ( Luta da Independência ao lado dos caboverdianos) e outra contra nós os caboverdianos (Golpe de Estado de 1980 que teve na base um sentimento nacionalista e concequente retorno de muitas famílias caboverdianas á terra, incluindo a minha).
A ironia do caboverdiano, de que falo, vê-se no seu percurso (primeiro como pais e, mais tarde, pela ideia de uma nação diasporizada) no qual, nos dominios do subconsciente, talvez se tenha mantido uma única ideia: como tirar o melhor proveito da minha situação de charneira. E tudo isso pensado com a subtileza e vontade de troçar dos próprios adversários enquanto os torna aliados.
Assim, caboverdiano, sempre que alguem te perguntar porque te sentes europeu, conta-lhe a estória de Nhu Lobo Ku Chibinho e pisca-lhe um olho.
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