Em Cabo Verde registamos uma longa elipse no processo que conduziu às práticas artísticas e videográficas. As movimentações estéticas saídas desta arte contemporânea, nos anos 60, só despontaram, na actualidade, com um núcleo vanguardista que se afasta da mainstream pela natureza do trabalho desenvolvido pelos criativos, mas também, pela novidade que ela encerra, pelo conteúdo e interesse dos mesmos. Trata-se, na verdade, de uma vanguarda descontextualizada, inspirada numa ordem que funciona algures que desconhece ou não se aventura pelo círculo universitário cabo-verdiano, o potencial nicho de mercado capaz de compreender, para já, os problemas que este género tem por vocação levantar. O elitismo e a filosofia bunker partilhada por estes novos prospectores e amantes das novas tecnologias provoca uma forte assimetria nesta esfera particular da criação audiovisual.
O género documentário de criação, enquanto capacidade de expressão e de linguagem só muito recentemente aparece, nomeadamente em produtos audiovisuais como “O Percurso do outro de Guenny Pires, “Batuque: A Alma de um Povo” de Júlio Silvão ou “S.Tomé - Os Últimos Contratados” de Leão Lopes. Inclusive nos círculos intelectuais mais cultos, só nos últimos três anos se deu conta da existência desse novíssimo género cinematográfico que é o documentário de criação.
O primeiro sinal de que algo estaria a mudar na percepção que temos da cultura audiovisual ocorreu com o documentário «O Percurso do Outro» de Guenny Pires, no qual se viu uma mudança de perspectiva na forma como se estruturaram os assuntos nela retratados. Destaque também para a forma como se produziu o referido documentário “Batuque A Alma de um Povo” e para o papel da produtora LX Filmes de Luis Correia neste processo, um dos responsáveis directos pela mudança de perspectiva na forma como olhamos para os documentários: planos longos, narração off que foge aos cânones da simples reportagem e a atenção particular (talvez demasiado particularizada) do realizador da obra referida.
Referimos anteriormente que um certo núcleo de “artistas audiovisuais” está demasiado longe do seu potencial público-alvo para fazer algum sentido. Se levarmos em conta o que Efren Cuevas (2005) defende, num esclarecedor tratado sobre este assunto, isto é, que só a racionalização de uma vanguarda a pode tornar num movimento estético e politico, podemos concluir que nada sobrevive sem uma publicação especializada, promoção de mostras e festivais sobre temas específicos. Se os eventos, mais ou menos mediatizados, vêem sendo realizados, não se viu, ainda, até à data, nenhuma publicação especializada na matéria. Uma ausência compreensível na jovem cultura audiovisual cabo-verdiana que, doravante, se procura retratar nesta obra.
Outra das particularidades do meio audiovisual cabo-verdiano é que a vanguarda aparece algo deslocada, pouco imbuída de especificidades que a caracterizam em outras paragens. Uma estrutura atomizada, livre na forma, no modo e no conteúdo dos trabalhos, que se estendem do puro experimentalismo, passando pela estilização dramática de um facto marcante na história partilhada Cabo Verde e Portugal, até à forte carga autobiográfica e diasporizada de consciências emergentes no seio dos emigrantes cabo-verdianos.
As narrativas autobiográficas, enquanto género, não existem no panorama audiovisual cabo-verdiano, pelo menos no que diz respeito à sua instauração nos festivais e mostras de vídeos. Existem, porém, esses vídeos que são frutos da opção de certos artistas plásticos por uma nova possibilidade de expressão artística, que estão em busca de uma nova linguagem em que se possam expressar nas suas criações*.
* É o que se vê nos trabalhos, em vídeo, do Mito.
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