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sexta-feira, junho 10, 2011

FICÇÃO CINEMATOGRÁFICA CABOVERDEANA (I)

A primeira experiencia de produção e realização no cinema, em outras paragens, foi o de recriar com realismo a vida dos heróis e dos malogrados. A experiencia de linguagem e de estilos fotográficos surgiriam muito mais tarde. No nosso país tudo começou com o “Guarda Vingador” - a primeira experiencia do cinema; “o primeiro filme feito em Cabo Verde» (Rui Machado: 2008) que buscava retratar precisamente o real arriscado, potencialmente heróico dos primeiros filmes de Hollywood. O que veio a suceder-se, depois de uma longa elipse na rarefeita cinematografia cabo-verdiana, foi a tímida incursão nos domínios da adaptação de obras literárias de autores cabo-verdianos. Esta dívida para com os primeiros aventureiros do imaginário das ilhas irá marcar a produção mais actual de filmes em Cabo Verde: “Testamento do Sr. Napumoceno da Silva”, “Ilhéu de Contenda”, “A Ilha dos Escravos” - todos eles, adaptações de argumentos originais de escritores cabo-verdianos nomeadamente Germano Almeida, Manuel Lopes e Evaristo de Almeida.





Uma das poucas aventuras em recriar o quotidiano do homem cabo-verdiano num guião original está no filme “Fintar o Destino” de F. Vendrell: um olhar saudosista que impressiona pela caracterização do personagem principal e pela reprodução de uma vivencia mindelense muito próxima daquela que estamos, realmente, habituados a viver. Nesta obra a juventude cabo-verdiana mereceu, em parte, um tratamento mais honesto e em conformidade com o seu real desejo de auto-expressão ( o amor sensual e as discotecas). Apesar de haver, ainda, uma certa visão paternalista na abordagem à realidade cabo-verdiana, herdada de um passado colonial congratulamos com este olhar mais condescendente para com a nossa juventude, sempre que ela aparece, nas condições de uma produção cinematográfica de grande orçamento.



No polémico “Cabo Verde Nha Cretchéu”, de Ana Lisboa Ramos, assistimos a uma arriscada incursão da realizadora pela ficção galopante e controverso, na linha do que se viu em “Magnólia” de Paul Thomas Anderson (sem comparações de natureza criativa) com o qual entrevemos uma relação remota, no seu substrato motivacional. Um conjunto de histórias soltas como as que saem das conversas de vizinhança e que começam com a expressão “tal fulano se meteu com sicrano”, polvilhadas de tragédias familiares que constituem o repertório do quotidiano crioulo: “é isso que somos, é isso o que nos acontece”. O filme teve, porém, uma fraca actuação dos actores, com pouca atenção aos papéis secundários que se sobrepuseram em determinadas alturas da narrativa aos papéis principais. Os cenários, característicos de uma pequena produção, não contribuíram para a verosimilhança da história contada, o que originou ferozes criticas de Abrãao Vicente, importante figura da televisão nacional, tendo ido parar às barras dos tribunais, numa peripécia que extrapolou da ficção para a realidade. Mais um dos nossos casos, “do que somos e do que nos acontece”. Passado algum tempo depois do filme, alguém viria a comentar com um certo fatalismo que Cabo Verde não tem actores (para o cinema, diga-se de passagem). O descrédito originado pelas fragilidades de uma fraca produção e pela insuficiência de uma emergente classe de actores cabo-verdianos de cinema, explica, em parte, a inclinação natural para se reconhecer a impossibilidade de haver um cinema cabo-verdiano, enquanto representação fiel do nosso imaginário. A rodagem de «Futcéra» em S. Vicente e de “Raboita de Rubon Manel” no Tarrafal (2010)*, na jovem produção audiovisual e cinematográfica veio equacionar novamente o problema da representação de um imaginário cabo-verdiano num quadro histórico determinado.


* Carlos Freitas, realizador de “Raboita de Rubom Manel”, é um dos poucos realizadores, naturais de Cabo Verde, com apetência natural para o género ficção, se levarmos em conta o seu anterior trabalho para a televisão “A Caderneta”: uma câmara subjectiva que põe no mesmo ponto de vista o espectador e o doutor para quem a protagonista fala; um recurso estilístico que aparecera pela primeira vez em “A Dama do Lago”/ “Lady in the Lake” (EUA, 1946) de Robert Montgomery.

«Futcéra», rodado em S. Vicente, é um claro sinal de que há quem, ainda, lute pela edificação do género ficção na cultura audiovisual nacional.

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