A crise da realidade provocada pela Guerra do Golfo, em Janeiro de 1999, e posteriormente pela guerra do Afeganistão, em 2001, na ressaca dos atentados de 11 de Setembro, levantou o problema da utopia da objectividade televisiva: a imposição de uma hipotética história objectiva da guerra não teve sentido. O poder omnisciente da CNN encontrou, desde logo, na altura, um contraponto na contra-informação da cadeia televisiva do mundo islâmico AL-Jazeera. O jogo sujo da guerra das imagens - que se impôs e se impõe durante esses acontecimentos - não cessou, e numerosas imagens e informações se colocaram sob suspeita. A crise da verdade televisiva, e, com ele, o modelo de utopia da informação, pôs em crise um modelo de realismo entendido como afirmação da objectividade e trouxe ao primeiro plano os limites da ficção.
Atentemo-nos, por exemplo, no caso do casal McCann que ganhou contornos grotescos e assombrosos prefigurando-se, cada vez mais, como o maior embuste televisivo infligido ao espectador. O problema de fundo é que se começa a estabelecer uma fronteira difusa entre o real e a ficção. À determinada altura do espectáculo televisivo não temos a garantia de que a reacção do casal é genuína. As luzes da ribalta os transformaram em melhores actores? Até que ponto a questão deixou de ser o desaparecimento da menina para se tornar numa especulação desenfreada à volta da mentira e da verdade dos nossos afectos? Estabeleceu-se, já, ao nível do conhecimento humano, uma reformulação do conceito clássico de ficção que voltou a centrar o debate na necessidade ficcional como instrumento para o conhecimento e questiona-se, cada vez mais, no mundo académico, a importância que a ficção pode exercer dentro de uma cultura contemporânea na qual se impôs, para já, uma crise de objectividade informativa.
Para chegar ao conhecimento das causas reais a história teria que deixar de ser explicação para transformar-se em interpretação das intenções, sentimentos e razões das pessoas envolvidas, defendia Georg Simmel, ainda, no inicio do séc. XIX. Deste modo, somos cúmplices de toda a realidade e estaremos, então, a buscar a nossa verdade ao elevar o nosso nível de interpretação, daquilo que levamos em nós, para ultrapassar essa contínua suspeita em relação á informação televisiva.
A tendência actual é que o cinema de ficção, como documento histórico (*), pode estar a responder facilmente a algumas das questões que se encontram em contínuo movimento no presente, mediante a sua fabulação. As imagens já não são o reflexo da realidade mas sim a sua construção. Os procedimentos de carácter estrutural, formal ou técnico dos cineastas devem, em princípio, desvelar o pensamento de uma época. Na qualidade de construtor das realidades estão casos paradigmáticos como a América "paranóica" de Oliver Stone ou o activismo político de Michael Moore.
(*) Não confundir com cinema documental.
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