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segunda-feira, outubro 31, 2011

O CINEMA COMO CRIADOR DE REALIDADES (1)

Neste longo artigo que, aqui, apresentamos em diferentes capítulos, dedica-mo-nos ao pensamento estético-cinematográfico de Àngel Quintana (ª) explanado na obra "Fábulas de lo visible. El cine como creador de realidades", onde expõe, nomeadamente, a ideia do acaso como signo do real e a tese sobre a autoconsciência realista que está presente numa certa praxis cinematográfica contemporânea. Fundamentalmente, as considerações levadas a cabo giram em torno da árdua missão que o cinema detém como construtor de realidades e de fábulas.

Objectivamente, o que nos traz Fábulas de lo visible. El cine como creador de realidades de Angel Quintana, constituiu-se, na mesma altura, como objecto de estudos, no campo do cinema de não-ficção e experimentação, coordenados por Casimiro Torreiro e Josetxo Cerdan, cujos primeiros artigos, que compõem o livro Documental y Vanguardia (2005), teriam conhecido a luz durante a VII Edição do Festival de Cinema de Málaga (2004). Tratam-se dos últimos desenvolvimentos teóricos, em Espanha, sobre o documentário e a vanguarda no cinema contemporâneo tendo vários autores contribuído, desde então, para uma visão de conjunto sobre uma matéria nova, um pos-cinema, ou como observa Perniola: um «cinema filosófico» que encontra, incontestavelmente, o seu ponto de partida no estudo do filme documental.

Partindo de dois casos emblemáticos - a realização do filme Recepción de S. M. Alfonso XIII en Barcelona, por Segundo de Chomón, em 1904 e o documentário de Leni Riefenstahl El Triunfo de la voluntad sobre o congresso nazi celebrado em 1934 – Quintana expõe, em linhas gerais, as múltiplas percepções sobre o cinema contemporâneo e sua cumplicidade com o real, que se traduz em discursos de proporções realistas ou fabulatórios. O primeiro caso é o que ele define, conceptualmente, como sendo uma «posição desfavorável» do dispositivo cinematográfico e o segundo uma «posição privilegiada» do mesmo. Na análise empreendida pelo autor a estes dois casos emblemáticos, na história do cinema, é evidente que, em termos de causalidade, é a fragilidade da produção que determina as limitações das imagens obtidas por Segundo de Chomón, no primeiro caso, e que a «posição privilegiada» de Riefenstahl deve-se à uma produção faustosa, tendo sido, de facto, um acontecimento cinematográfico que o nazismo planificou friamente para erigir e glorificar o III Reich, não deixando que o acaso interferisse (como o foi, aliás, a vitória do norte-americano Jesse Owens, nos 100 m, nos Jogos Olímpicos de Berlim de 1936).

A consciência da ilusão representativa, a mimesis e a imagem como registo, a imagem cinematográfica, os modelos de realismo do século XIX, as teorias do realismos de André Bazin, de Siegfried Kracauer e a proposta estética de Pier Paolo Pasolini servem de plataforma para Quintana se aventurar em voos mais arrojados de análise estética e cinematográfica, que se confluem no pungente capítulo dedicado à autoconsciência realista no cinema contemporâneo, sem deixar de explorar, antes, os caminhos que o neorealismo, enquanto movimento estético-político, percorreu no cinema. O último capítulo «La realidade suplantada” é tão só uma longa conclusão que encerra uma visão particularizada sobre o cinema que se produziu no ultimo século, onde tece uma segunda argumentação sobre filmes como eXistenZ (1999) de David Cronenberg, The Game (1997) de David Fincher ou Abre los Ojos (1997) de Alejandro Amenábar, interpretando-os como um jogo entre o real e o virtual, o acaso e a ordem, as sombras e nossa existência real. A conclusão a que ele chega, no conjunto destas análises, aparece na seguinte afirmação:

«(…) para la gran indústria cada vez resulta más cómodo que el espectador adquiera el estatuto de prisioneiro de la gran caverna platónica, de persona atrapada que desde su inmovilidad no cesa de convocar a los espíritus que pueblan ese mundo simulado que nos rodea.» (Quintana, 2003:296).

Importa, aqui, porém, o penúltimo capítulo intitulado La autoconsciência realista en cierto cine contemporâneo que ele dedica à Eric Rohmer, Straub y Huillet, e Abbas Kiarostami, pela clareza com que expõe o discurso sobre o real e a arte produzida por esses cineastas. Sem pretender constituir, numa única obra, um corpo organizado de conhecimento racional com o seu próprio objecto – praxis, techné e theoria - (definição que Aristóteles atribui à epistéme [1] ),Quintana faz uma intelecção do cinema e da sua estética a partir de um conceito intuitivo para uma episthamai [o que na palavra grega significa «chegar a uma paragem»] no meio de uma série de considerações estéticas e de gosto.

(ª) Ángel Quintana (Gerona, 1960) é professor de História e Teoria do Cinema na Universidade de Gerona. Publicou o estudo El cine italiano 1942-1961. Del neorrealismo a la modernidad (1997) e duas monografias, Roberto Rossellini (1995) e Jean renoir (1998). Também colabora em diversos meios de comunicação como crítico de cinema.

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[1] PETERS, F.E. (1997). Termos Filosóficos Gregos. Um léxico histórico. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkianm.

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