Esta nova série de artigos (que escrevi para a revista "Contacto" da Uni-Piaget de Cabo Verde) avalia os produtos audiovisuais produzidos pela Televisão de Cabo Verde (TCV), no quadro da cultura cabo-verdiana enquanto processo de criação e de transformação dos valores culturais, relacionando-os com o factor ideológico-político. Baseando-se na teoria de acção comunicacional de Stuart Hall, explanado no surpreendente artigo Encoding /Decoding, aborda o modo como a cultura e a recorrente ideologia política condiciona a emergência de novos produtos audiovisuais, com discurso «significativo», no referido canal público de televisão.
A cultura na sua vertente comunicacional.
Interessa-nos, antes de mais, a área da cultura, vista aqui na perspectiva de Geertz quando este afirma que “a cultura não são cultos e costumes, mas as estruturas de significado através dos quais os homens dão forma á sua experiencia.” (Geertz, 1989: 135). Nesta perspectiva a cultura aparece-nos no seu aspecto muito mais dinâmico, como algo de natureza fluida que se vai reconfigurando ao longo do tempo. Ainda, na perspectiva de Geertz, uma das propriedades da cultura é que o seu significado é público, porém, a nossa análise não pretende esgotar, neste artigo, a posição antropológica desse autor sobre este aspecto da vida cultural, que ele dedica a Indonésia de Sukarno, nos anos 60, relacionando-a com o peso da ideologia da época. Inspiramo-nos, antes, numa matéria já explorada por Edward T. Hall (1984), antropólogo norte-americano, que, na sua obra Le Langage silencieux afirma que a cultura é comunicação e que para compreendê-la há que estudar o funcionamento da sua linguagem intrínseca. Pretendemos, quando muito, partir dos diferentes momentos «espácio-temporais» de inter-relacionamento, em contexto cultural, para dar conta do que é conduzido a visibilidade e a representação como «discurso significativo», num processo submetido a escolha, predilecção, aceitação ou rejeição dos referidos programas televisivos. Actuando, fundamentalmente, na esfera dos estudos culturais de Stuart Hall (2009) e do modelo teórico-cultural e comunicacional que ele desenvolveu no período entre 1969 a 1976, trazemos a questão dos conteúdos mediáticos enquanto reflexo dos valores, crenças sociais e culturais, isto é, enquanto indicador «cultural», ao mesmo tempo que empreendemos uma análise ao «conteúdos dos media como reflexo dos valores e crenças sociais». (McQuail, 2003: 309) .
Apesar do que afirma Geertz, que «uma das coisas que quase todo o mundo conhece mas não sabe muito bem como demonstrar é que a política de um país reflecte o modelo de sua cultura” (Geertz, 1989: p.135), tal não nos inibe de perguntar porque é que, até hoje, ainda não se viu uma contra-informação política e humorística na televisão pública nacional cabo-verdiana? O mais perto que estivemos em relação a este aspecto foi com o programa cultural “180º” apresentado por Abraão Vicente na temporada 2009, na Televisão de Cabo Verde no qual se discutiam problemas políticos, sociais e culturais do país numa óptica de livre expressão e sentido de humor, resvalando, não raras vezes, para a ironia e sarcasmo. O programa não sobreviveu muito tempo tendo sido impedido de avançar com mais edições. Porquê? A nossa resposta é simples: porque se trata de uma questão cultural.
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