A cultura
na sua vertente ideológica.
A cultura crioula
sempre esteve aí, no seio do povo como factor identitário que recebe, desde
sempre, os reflexos da globalização e das novas tecnologias de comunicação e
informação. Mas, fundamentalmente, é preciso entender que a cultura sempre esteve ligada à ideologia, como defende Geertz. Por sua vez, Hall (2009) explica como é que a ideologia actua sobre o discurso
e actua dentro dela. Essa actuação deve-se à conotação que qualquer discurso
detêm, isto é, o seu sentido é menos fixo e mais fluido do que a simples
denotação. Segundo ele, regra geral, raramente os signos organizados em discurso
significarão somente seus sentidos «literais» (Hall:2009) dependendo de seu
posicionamento no campo discursivo, como afirma na seguinte passagem:
“O nível de conotação do signo visual, de sua referência
contextual e do seu posicionamento em diferentes campos discursivos de sentido
e associação, é justamente onde os signos já codificados se interseccionam com
os códigos semânticos profundos de uma cultura e, assim, assumem dimensões
ideológicas adicionais e mais activos.”
[HALL, 2009: p. 373]
Desde as primeiras emissões deste canal público que a preocupação de trazer
a cultura cabo-verdiana ao ecrã se impôs naturalmente, tendo iniciado com os
concertos em estúdio de grupos musicais ou pequenas reportagens com artistas e
artesãos. Mais tarde assistiu-se, nos anos 90, ao recrudescer da tradição
santiaguense e a um revivalismo na música e na escultura, com manifestações
folclóricas que tiveram, naturalmente, uma clara repercussão nos programas de
televisão e nas práticas de produção audiovisual de grupos[1]. Esse fenómeno social e
cultural é o resultado daquilo que Geertz alega como sendo “uma tensão que tem como resposta a ideologia”. Nesta linha de
ideias, pensamos que a «confluência de uma tensão sócio-psicológica» que vem
desde o período colonial prepararia o cenário para o aparecimento de ideologias
que preconizam o revivalismo cultural de Santiago, o que criou de modo
catártico um cenário cultural em ruptura completa com o passado colonial
recente, deslocando o epicentro cultural de S. Nicolau, Mindelo e suas noites
de mornas e coladeiras para uma cidade da Praia prenhe de valores autóctones recalcados,
nomeadamente, o batuque, o funaná e a variante da língua crioula de
Santiago. Referimo-nos, aqui, a uma querela sobejamente conhecida, polemizada e
vivida de há duas décadas para cá, e que envolve intelectuais, homens da
cultura, que se dividem em «puristas» do folclore santiaguense, «modernistas»
mindelenses, «saudosistas» do antigo seminário de S. Nicolau, e, de um modo
geral, os inconformados com a actual situação vivida na cultura cabo-verdiana.
[1] Sobre este
assunto consultar a obra «Cultura Audiovisual em Cabo Verde» de Mário Vaz
Almeida editado pela SOCA Edições em 2010.
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