Abbas Kiarostami
Quintana equaciona, por último, uma reformulação contínua do realismo que, segundo ele, acaba por oferecer a possibilidade de uma «percepção não emotiva» que se opõe às formas do «simulacro do real» apresentadas pelos órgãos de comunicação social: «la gran caverna platónica construída en la sociedade del espectáculo» (Quintana, 2003:252). Nessa busca contínua de um novo realismo no cinema contemporâneo, Àngel Quintana aproxima-se, então, da arte do cineasta iraniano Abbas Kiarostami, pleno de um novo realismo e de uma nova autoconsciência no cinema contemporâneo. Para nos fazer compreender isso o autor recorre à trilogia do cineasta formada por Khneh-ye dust kojas? («Donde está la casa de mi amigo?», 1987), Zendegi na digar hich («Y la vida continua», 1992), e Zir-e derakhtan-e zeytun, («A través de los olvidos», 1994) elevando, finalmente, essa autoconsciência ao nível de uma tensão que se estabelece entre ficção e realidade criada nos filmes. É o caso por exemplo de Zendegi na digar hich em que um alter ego de Kiarostami, no filme, vai à procura da criança, intérprete do primeiro filme Khneh-ye dust kojas? que supostamente terá desaparecido num sismo que assolou a região de Gilan. Segundo o autor, esta poética neo-realista em Kiarostami, que se distancia de Roberto Rossellini, gira em torno de um jogo de repetição, como atesta na seguinte passagem, a propósito de Zendegi na digar hich:
« …la obsession está orientada hacia las dificultades del protagonista para convencer a la chica que ama para que abandone los condicionantes familiares que frenan la materialización de su posible amor. El juego de repeticiones no marca uma evolución en las relaciones solo sirve para testimoniar el peso de la obsessión». (Quintana, 2003:244).
Uma propriedade que o autor denomina, ainda, de «estrutura en abismo», que está presente no cinema iraniano, em geral. O autor deixa claro que a autoconsciência de Kiarostami não é o de criar uma ilusão realista; pelo contrário, ela representa a mesma crise realista que provocou o quadro Las Meninas de Velázquez no domínio da pintura, na qual o espaço de representação é ocupado pelo pintor e pelos espectadores da tela. È o que se vê no filme O Sabor da Cereja (1997), em que o próprio realizador aparece na cena final do filme para dar uma outra visibilidade ao processo, diluindo a fronteira entre o real e o ficcional. Essa tendência está muito mais vincada em Close Up (1990) : na vida real um individuo que foi submetido a um processo judicial por pretender ser o director de cinema Makhmalbaf, para camuflar a sua verdadeira identidade e dissipar uma espécie de sofrimento, se converte em protagonista de um filme de ficção com técnicas de documentário. O autor, ressaltando este aspecto peculiar do cinema iraniano num interessante exercício de linguagem, observa que:
«en las principales películas iranies, el juego de la autoconsciencia convierte a la câmara en una especie de espejo cóncavo que, después, de capturar a realidad, muestra los reflejos del proprio acto de captura de esta realidad.» (Quintana, 2003:241).
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