Conclusivamente, (relativamente aos conteúdos culturais na TCV) há que ponderar a figura de um Provedor que sonda o mercado e a audiência, mantendo-se fiel aos princípios liberalizantes das sociedades democráticas modernas. Uma medida que deve ser equacionado no sentido de evitar tendências demasiado corporativas face aos colectivos de civis, cidadãos, telespectadores, adultos e crianças.
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terça-feira, junho 12, 2012
segunda-feira, junho 11, 2012
CONTEÚDOS PROGRAMÁTICOS CULTURAIS NA TCV (3)
Da intersubjectividade e do “xamanismo” televisivos.
Na obra, editada em parceria com Daniel Dayan, A história em directo. Os acontecimentos mediáticos na televisão, Elihu Katz (1999), num capítulo intitulado “Lar como espaço público”, corrobora uma ideia, formulada em 1948, por Lazarfeld e Merton, de que os noticiários televisivos comportam uma ilusão de participação política e que, normalmente, as pessoas «transportam» a informação que recebem dos noticiários televisivos para discussões públicas em sedes locais dos partidos, corredores, bastidores, ou cafés. Acrescenta, ainda, que se tornou difícil separar os efeitos da televisão dos efeitos persuasivos do próprio acontecimento. (Katz, 1999:130). Assim, uma transmissão em directo de uma tomada de posse presidencial pode ter sucesso como acontecimento mediático e definir uma nova era na cabeça das pessoas mas, neste caso, que efeito poderia ser equacionado para um programa televisivo religioso como a Eucaristia Dominical, transmitido todos os Domingos na TCV? Para todos os efeitos, o resultado que se almeja é que a Eucaristia Dominical, ao ser transmitida em directo, para todo o país, pondo a igreja no centro dos acontecimentos, estruture as famílias e as relações sociais de uma forma mais consentânea com os princípios cristãos, num alargamento do seu raio de influência. Nos termos aqui propostos (relativo a conteúdos programáticos culturais) seria, por certo, mais eficaz (para essa camada de espectadores cultos e esclarecidos) um programa que explicasse, por exemplo, as origens do cristianismo e que não nos leve a ter que esboçar um sinal de incompreensão face ao olhar insistente de uma religiosa na direcção da câmara (ecrã para nós) ou nos «obrigue» a ajoelharmo-nos à frente do televisor.
Uma missa dominical na televisão nunca chega a ser «natural», na perspectiva antropológica da qual partimos. Num espaço comunicacional negociado pode chegar, até, a perder o seu significado eucarístico e religioso, simplesmente, por não ser a sua forma própria de mediatização. Porém, compreende-se que se deve equacionar a questão do tempo em que vivemos e a premência de se adaptar as novas tecnologias de comunicação e informação às necessidades da igreja contemporânea.
O mesmo «xamanismo» televisivo acompanha as transmissões em directo dos inúmeros festivais de música e debates parlamentares que criam, em uníssono, uma ilusão de participação que origina, por sua vez, uma comunidade virtual de relações distanciadas da realidade essencialmente diferente da que é vivida pelos presentes em tais acontecimentos. Essa onda de transmissões em directo da televisão pública camufla, porém, uma outra realidade: a incapacidade de produzir programas inovadores de conteúdos culturais.
quinta-feira, junho 07, 2012
CONTEÚDOS PROGRAMÁTICOS CULTURAIS NA TCV (2)
Com o processo de digitalização completa dos estúdios a aposta da TCV tem-se virado, actualmente, para grandes formatos. Basta olhar para o esforço encetado, ultimamente, por este canal em equilibrar uma certa identidade nacional com uma espécie de aculturação, como é o caso específico do programa matutino «Show da Manhã» , que se aproxima de uma outra forma de fazer televisão, que já fez escola, ao combinar valores universalistas, de sã convivência, com entretenimento. Um tipo de programa que deve ganhar a sua especificidade na transmissão em directo porque envolve actualidade, instantaneidade e realidade vivida no presente momento. O objectivo desse tipo de programas é o de acompanhar as pessoas no seu dia-a-dia, geralmente donas de casa e crianças. A sua reposição, por contingências de produção, como tem acontecido tantas vezes na TCV, é um contra-senso.
A questão de se saber se a TCV dá uma resposta variada à situação cultural cabo-verdiana actual nunca poderia ser afirmativa à luz das novas propostas culturais, urbanas, e de incursão em novos formatos televisivos como talk shows, comics, contra-informação política, programas especializados de cultura e arte apresentados por jornalistas também especializados, ou à vista das novas experimentações visuais e estéticas que o audiovisual tem sofrido nestes últimos anos. Ao não abrir-se a novas manifestações a TCV perde elasticidade na abordagem aos assuntos, fenómeno que, segundo Katz (1999), ocorre, em maior ou menor grau, sempre que os conglomerados técnicos são reformulados para uma reprodução em massa.
Para darmos conta disso basta observar o conteúdo dos dois programas culturais actuais mais destacados - “26 minutos com…” e “Código de Vida” -, que já não conseguem ir para além do mero perfil artístico dos representantes da nossa cultura (a maior parte delas pertencentes ao mundo da música) num registo warholiano daquela que é uma espécie de Fábrica da Cultura Cabo-verdiana. Acresce a isso outras lacunas, no conjunto da programação, que se prendem com elementos como o horário de programação, a classificação das audiências e o contacto profissional com novos estilos audiovisuais e géneros televisivos, como por exemplo, os chamados documentários de criação , que ainda não são considerados em toda a sua complexidade imagética e no seu impacto na formação do conhecimento e das mentalidades. Actualmente, a maior parte dos programas de conteúdos culturais enquadram-se no género televisivo reportagem, em vez da abordagem a um estado real das coisas que o género documentário compreende, isto é, narrativas e visões particularizadas de quem vive permanentemente um conjunto de situações para depois os exprimir com tempo e dinheiro.
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terça-feira, junho 05, 2012
CONTEÚDOS PROGRAMÁTICOS CULTURAIS NA TCV (1)
A cultura
na sua vertente ideológica.
A cultura crioula
sempre esteve aí, no seio do povo como factor identitário que recebe, desde
sempre, os reflexos da globalização e das novas tecnologias de comunicação e
informação. Mas, fundamentalmente, é preciso entender que a cultura sempre esteve ligada à ideologia, como defende Geertz. Por sua vez, Hall (2009) explica como é que a ideologia actua sobre o discurso
e actua dentro dela. Essa actuação deve-se à conotação que qualquer discurso
detêm, isto é, o seu sentido é menos fixo e mais fluido do que a simples
denotação. Segundo ele, regra geral, raramente os signos organizados em discurso
significarão somente seus sentidos «literais» (Hall:2009) dependendo de seu
posicionamento no campo discursivo, como afirma na seguinte passagem:
“O nível de conotação do signo visual, de sua referência
contextual e do seu posicionamento em diferentes campos discursivos de sentido
e associação, é justamente onde os signos já codificados se interseccionam com
os códigos semânticos profundos de uma cultura e, assim, assumem dimensões
ideológicas adicionais e mais activos.”
[HALL, 2009: p. 373]
Desde as primeiras emissões deste canal público que a preocupação de trazer
a cultura cabo-verdiana ao ecrã se impôs naturalmente, tendo iniciado com os
concertos em estúdio de grupos musicais ou pequenas reportagens com artistas e
artesãos. Mais tarde assistiu-se, nos anos 90, ao recrudescer da tradição
santiaguense e a um revivalismo na música e na escultura, com manifestações
folclóricas que tiveram, naturalmente, uma clara repercussão nos programas de
televisão e nas práticas de produção audiovisual de grupos[1]. Esse fenómeno social e
cultural é o resultado daquilo que Geertz alega como sendo “uma tensão que tem como resposta a ideologia”. Nesta linha de
ideias, pensamos que a «confluência de uma tensão sócio-psicológica» que vem
desde o período colonial prepararia o cenário para o aparecimento de ideologias
que preconizam o revivalismo cultural de Santiago, o que criou de modo
catártico um cenário cultural em ruptura completa com o passado colonial
recente, deslocando o epicentro cultural de S. Nicolau, Mindelo e suas noites
de mornas e coladeiras para uma cidade da Praia prenhe de valores autóctones recalcados,
nomeadamente, o batuque, o funaná e a variante da língua crioula de
Santiago. Referimo-nos, aqui, a uma querela sobejamente conhecida, polemizada e
vivida de há duas décadas para cá, e que envolve intelectuais, homens da
cultura, que se dividem em «puristas» do folclore santiaguense, «modernistas»
mindelenses, «saudosistas» do antigo seminário de S. Nicolau, e, de um modo
geral, os inconformados com a actual situação vivida na cultura cabo-verdiana.
[1] Sobre este
assunto consultar a obra «Cultura Audiovisual em Cabo Verde» de Mário Vaz
Almeida editado pela SOCA Edições em 2010.
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segunda-feira, junho 04, 2012
CONTEÚDOS PROGRAMÁTICOS CULTURAIS NA TCV
Esta nova série de artigos (que escrevi para a revista "Contacto" da Uni-Piaget de Cabo Verde) avalia os produtos audiovisuais produzidos pela Televisão de Cabo Verde (TCV), no quadro da cultura cabo-verdiana enquanto processo de criação e de transformação dos valores culturais, relacionando-os com o factor ideológico-político. Baseando-se na teoria de acção comunicacional de Stuart Hall, explanado no surpreendente artigo Encoding /Decoding, aborda o modo como a cultura e a recorrente ideologia política condiciona a emergência de novos produtos audiovisuais, com discurso «significativo», no referido canal público de televisão.
A cultura na sua vertente comunicacional.
Interessa-nos, antes de mais, a área da cultura, vista aqui na perspectiva de Geertz quando este afirma que “a cultura não são cultos e costumes, mas as estruturas de significado através dos quais os homens dão forma á sua experiencia.” (Geertz, 1989: 135). Nesta perspectiva a cultura aparece-nos no seu aspecto muito mais dinâmico, como algo de natureza fluida que se vai reconfigurando ao longo do tempo. Ainda, na perspectiva de Geertz, uma das propriedades da cultura é que o seu significado é público, porém, a nossa análise não pretende esgotar, neste artigo, a posição antropológica desse autor sobre este aspecto da vida cultural, que ele dedica a Indonésia de Sukarno, nos anos 60, relacionando-a com o peso da ideologia da época. Inspiramo-nos, antes, numa matéria já explorada por Edward T. Hall (1984), antropólogo norte-americano, que, na sua obra Le Langage silencieux afirma que a cultura é comunicação e que para compreendê-la há que estudar o funcionamento da sua linguagem intrínseca. Pretendemos, quando muito, partir dos diferentes momentos «espácio-temporais» de inter-relacionamento, em contexto cultural, para dar conta do que é conduzido a visibilidade e a representação como «discurso significativo», num processo submetido a escolha, predilecção, aceitação ou rejeição dos referidos programas televisivos. Actuando, fundamentalmente, na esfera dos estudos culturais de Stuart Hall (2009) e do modelo teórico-cultural e comunicacional que ele desenvolveu no período entre 1969 a 1976, trazemos a questão dos conteúdos mediáticos enquanto reflexo dos valores, crenças sociais e culturais, isto é, enquanto indicador «cultural», ao mesmo tempo que empreendemos uma análise ao «conteúdos dos media como reflexo dos valores e crenças sociais». (McQuail, 2003: 309) .
Apesar do que afirma Geertz, que «uma das coisas que quase todo o mundo conhece mas não sabe muito bem como demonstrar é que a política de um país reflecte o modelo de sua cultura” (Geertz, 1989: p.135), tal não nos inibe de perguntar porque é que, até hoje, ainda não se viu uma contra-informação política e humorística na televisão pública nacional cabo-verdiana? O mais perto que estivemos em relação a este aspecto foi com o programa cultural “180º” apresentado por Abraão Vicente na temporada 2009, na Televisão de Cabo Verde no qual se discutiam problemas políticos, sociais e culturais do país numa óptica de livre expressão e sentido de humor, resvalando, não raras vezes, para a ironia e sarcasmo. O programa não sobreviveu muito tempo tendo sido impedido de avançar com mais edições. Porquê? A nossa resposta é simples: porque se trata de uma questão cultural.
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