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terça-feira, dezembro 16, 2008

NA RESSACA

«Tenho confiança na juventude cabo-verdiana»
José Maria Neves

Na teoria económica existe aquilo a que se chama lei rendimento decrescente que afirma que o produto marginal de uma determinada produção diminui à medida que a utilização do insumo aumenta, quando a quantidade de todos os demais fatores de produção se mantêm constantes. Por exemplo um determinado terreno de cultivo quando cultivado intensamente e sempre com o mesmo cultivo, sem variação na utilização de adubos, fertilizantes e insecticidas, esgota-se rapidamente e rende cada vez menos. Reduzida a sua capacidade de reprodução o terreno definha e acaba em pedregulhos.

Passa-se o mesmo com a maioria da nossa actual juventude. Bombardeadas continuamente por mensagens unilaterais e campanhas intoxicantes sobre álcool, sida, programas altamente institucionalizados, festivais acaba «aparvalhado», boçal, destituída de espírito crítico. A maioria desses jovens cabo-verdianos, que vivem que nos centros urbanos, está a perder a capacidade de pensar por si próprio, operando mais por clichés culturais, publicitários ou políticos.


Essa apatia cresce perante a enormidade de factos políticos, do ritmo avassalador de desenvolvimento imposto ao país pelos interesses internacionais porque não coabita neste momento com um ensino universitário de qualidade. Jovens alunos universitários, em conversas informais, que trazem queixas acerca dos professores, de cenas que ultrapassam o nosso entendimento. Professores que andam a recitar apontamentos aos alunos sem nenhuma troca de ideias; outros que afrontados com questões mandam os alunos procurarem na internet; uns que chegam mesmo a dizer descaradamente com desplante que não entendem nada de números quando a aula que ministra é a contabilidade. Cumpridores, talvez responsáveis, mas pouco críticos: essa á a maioria jovem.


Assumir cargos políticos á frente de uma juventude politizada é mesmo a mais procurada das «responsabilidade» e aquela que se entende como elevado sentido de cidadania. Esse é o primeiro jovem. Há outro jovem comprometido que veio de gente humilde que assume com convicção os seus valores de solidariedade e entreajuda á frente de uma associação de jovens. Que comove pela opção corajosa que assume: esse é o segundo jovem. Esses dois jovens co-habitam, todavia, em vizinhanças políticas e é norma ver um deles passar o outro lado numa ponte levantada pelos interesses partidários.

Um terceiro jovem discute politica, revela inteligência e capacidade de intervenção. Compara os discursos e consegue dissecá-lo até mais não haver argumentos dissuasores. Não prova necessariamente que é capaz de assumir porventura essas mesmas funções mas é sempre algo reprodutível e algo com consequências num plano moral e opinativo que pode até se materializar numa figura política posterior. Opinion maker, spindoctor, no matter, vale o respeito e o efeito que suscita nos demais.


Mas eu pergunto: onde é que está esse jovem que procura caminhos mais longos, mais tortuosos mas gratificantes por aquilo que trazem de sabedoria. Onde é que está aquele jovem que segue os poetas e não os políticos? Melhor, onde é que está aquele jovem que segue os poetas contra os políticos? Estará, neste momento, «enfiado» no seu quarto fazendo uma incursão silenciosa na poesia cabo-verdiana e misturando-a com o velho cinema europeu nas horas vagas em «permanent vacation», em permanente apatia?


Nem estou a falar daquele alien que se vangloria com um verso recém-descoberto do universo de Holderlin se ainda não tem maturidade para o sentir no peito mas aquele outro que se afunda na poesia de um conterrâneo seu, levado pela velha asserção filosófica «conhece-te a ti mesmo». Esta postura, aparentemente passiva e apática, pode revelar-se extremamente interventivo se ele começar a utilizar jargões literários/filosóficos em camisolas e não clichés de mera «javardice» moral e prevenção a qualquer «doença do fim do mundo»; ou no melhor dos casos se souber cortar esse cordão umbilical que o une ao status quo dos seus pais e afirmar uma cultura nova, contemporânea nos seus valores, liderando em espaços culturais da nossa praça.


Não. A sua apatia é diferente da apatia dessa maioria silenciosa que abunda as universidades nacionais. A sua raiva é diferente. Ele é a minoria «amordaçada» porque tem razão. Conheci-o a esse jovem. Mas já lhe perdi o rasto...

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