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terça-feira, novembro 28, 2006

Definição não-enciclopédiaca mas cultural

O Radical tenta deslocar ou modificar as bases do sistema; o alternativo utiliza os elementos do sistema para apontar noutra direcção e, nalguns casos, operando um desvio messiánico. Na dimensão bíblica podemos dizer que Moisés foi radical enquanto Jesus foi alternativo (nunca chegou a questionar as bases estabelecidas pelos outros profetas). Na realidade afro-americana dos anos 60 Malcolm X era radical e nesse contexto quem detinha uma visão alternativa era o escritor James Baldwin. Se estavam á espera de ler Martin Luther King devo dizer que não se trata da mera lógica política extremista vs. moderado mas sim do que é verdadeiramente a natureza do comportamento humano, social e artístico.

segunda-feira, novembro 27, 2006

RADICAL OU ALTERNATIVO

Como fazer a diferença entre o que é radical e o que é alternativo? Talvez assim:


No cenário pop, por exemplo, Bjõrk é radical enquanto que Ben Harper é alternativo. Na história do cinema Orson Welles foi radical (no estilo e no conteúdo), mas o movimento Nouvelle Vague deve situar-se na franja do que é alternativo. No Jazz Charlie Parker foi radical, John Coltrane foi alternativo, tout court. «O Sabor da Cereja» de Abbas Kiarostami é radical no tema e alternatico na forma.


Em Cabo Verde radical é o que ocorreu na musica de Santiago nos anos 80, com os «Bulimundo», e alternativo a chamada Geração Pantera, quase duas décadas depois.

A pintura de Mito pode ser radical, Tchalé Figueira já é alternativo. O Movimento Claridoso, foi, a meu ver, alternativo, apesar do que se poderia pensar (um crescendo poético, de criatividade e de horizontes temáticos). A escrita de João Vário, sim, já é radical no cenário literário caboverdiano, tal como a de José Luís Tavares.


Uma mesma coisa pode ser radical num aspecto e alternativo noutra. Agora façam a vossa lista. Pode ser um bom exercício.


quarta-feira, novembro 22, 2006

Sobre o Sineklubismo

Há que saber a diferença entre o que é radical e o que é alternativo.

S.K.

Fez a melhor ficção científica de sempre.
Fez o melhor filme de guerra de sempre.
Fez o melhor filme de terror de sempre.
Conseguiu filmar uma cena fantástica só com a luz das velas.
Filmou a ambição desmedida, a loucura, a luxúria e a volúpia.
Infelizmente não teve foi tempo de terminar um filme soberbo sobre o Amor.

terça-feira, novembro 21, 2006

O Homem Que Sabia Tudo Sobre Cinema!!!

Konsedju di Gentis Grandi

Muita boa gente já perdeu o hábito de escutar. No mundo actual, até onde se é capaz de ouvir estórias intermináveis? Até que ponto se pode estar sossegado (física e mentalmente) para simplesmente escutar? Escutar os mais velhos exige uma postura, uma ética, e mesmo uma técnica do corpo que possibilite a absorção desse conhecimento transmitido pelas palavras dos anciãos. A esquizofrenia do mundo moderno não possibilita essa atenção, essa pré-disposição mental e corporal para albergar sabedoria e beleza. Na última década a música de Santiago sofreu grandes alterações na sua estrutura e no seu fraseado porque homens como Orlando Pantera, Princesito, Tcheka, Eduíno dos Ferro Gaita, entenderam isso muito cedo. Mas como disse Mia Couto (Pensatempos) ainda há esses jovens estão mais á vontade diante de um videoclip de M. Jackson do que no quintal de um camponês africano. Eu, que não sou tão jovem assim, nem guentis grandes, só sei que o essencial não está nem nas escolas nem na loucura deste mundo contemporâneo. Por isso estarei sempre pronto a escutar.

quinta-feira, novembro 16, 2006

E porque somos Africa...

Somos África por aquilo que os americanos sabem muito bem: «It´s economy, stupid». África detém apenas 3% da produtividade mundial. Analistas económicos costumam dizer, hipócritamente, que se o continente inteiro desaparecesse o Mundo não sentiria a menor diferença. Um certo estudioso americano da escola pragmática de Chicago disse, contra a corrente, que a integração verdadeira dos afro-americanos deu-se com o uso do automóvel por parte dessa comunidade, colocando, assim, a questão ao nível da atitude económica ou de uma certa mentalidade progressista. Um economista queniano, já referido neste blog, gritou a plenos pulmões «parem de ajudar a África» argumentando que as ajudas trazem indolência, corrupção e falta de visão, além de dificultar os agricultores e empresários dos países africanos, que não conseguem competir com as ofertas de países desenvolvidos e com o «mercado negro» que se vai criando nas respectivas economias.


Em Cabo Verde abrem-se as portas aos investidores privilegiando-se, muitas das vezes, laços históricos em vez do know how tecnológico, revelando, com isso, uma mentalidade pos-colonialista eufimisticamente denominado lusofonia. A CPLP tornou-se uma miragem. Mais longe se vislumbra a emergencia económica da China que vai se constituindo á espaços, mais ou menos claros, uma solução, não só para Cabo Verde, como para outros países do continente africano. Nós os caboverdianos sofremos, todavia, uma espécie de estatuto económico ambivalente - a do PMA ou PDM. O significado da sigla poderia, a meu ver, traduzir-se: PMA - (Pais Menos Africano) que, em princípio, passa a ser PDM - (Pais Democrático Minúsculo). Nunca chegamos a sair desta ambivalencia.

terça-feira, novembro 14, 2006

Porque somos Europeus?

Uma das qualidades mais marcantes do homem europeu tal como o conhecemos desde o sec.XIX para cá é a ironia: esta subtil agilidade mental eivada de uma tênue vontade de troçar. A ironia é sempre um sinal da vitalidade europeia, assente num modo de ser que deve muito á sageza francesa, ao espírito alemão e ao calculismo inglês. Estes atributos acabam por transformar situações perfeitamente normalizadas em complexas estruturas de combate ao mais alto nivel ideológico, afectivo e científico.

A independencia (ou a autodeterminação?) do caboverdiano fez-se com esta ironia tipicamente europeia. Isto é, na verdade não combatemos nenhuma guerra como nação. Tivemos, sim postos importantes, sobretudo admnistrativos, na era do colonialismo português. A luta de libertação teve no caboverdiano o seu mentor e estratega. Neste aspecto foi mais longe do que o Portugal colonial. Uniu-se aos irmãos da Guiné e derrubou o colonialismo português com método e calculismo tipicamente europeus, que aprendera. Quando a PIDE, serviços secretos portugueses, intervieio junto dos guineenses fomentando questões étnicas, adormecidas, não fizeram mais do que utilizar os mesmos métodos (mas já um pouco tarde). Provocaram o assassinato de Amilcar Cabral, que os tinha antecipado em toda a linha, ao mesmo tempo que se lamentaram por o terem perdido numa altura crucial para o seu regime. Perderam a oportunidade de dialogar com ele e de transformá-lo num aliado, tarefa impossível, não só pelo espírito inquebrantável de Cabral, mas devido á própria marcha do tempo. Alguns combatentes guineenses, incluindo Inocencio Cani (mão criminosa), foram apanhados no meio deste jogo de antigos colonos vs novos colonos. Eles acabaram, afinal, por combater duas guerras: uma contra os portugueses ( Luta da Independência ao lado dos caboverdianos) e outra contra nós os caboverdianos (Golpe de Estado de 1980 que teve na base um sentimento nacionalista e concequente retorno de muitas famílias caboverdianas á terra, incluindo a minha).

A ironia do caboverdiano, de que falo, vê-se no seu percurso (primeiro como pais e, mais tarde, pela ideia de uma nação diasporizada) no qual, nos dominios do subconsciente, talvez se tenha mantido uma única ideia: como tirar o melhor proveito da minha situação de charneira. E tudo isso pensado com a subtileza e vontade de troçar dos próprios adversários enquanto os torna aliados.

Assim, caboverdiano, sempre que alguem te perguntar porque te sentes europeu, conta-lhe a estória de Nhu Lobo Ku Chibinho e pisca-lhe um olho.

quinta-feira, novembro 09, 2006

O Chapéu do Mr. Cury.



No meu «gabinete pessoal» Mr. Cury contava-me algumas coisas. Tinha um programa radiofónico numa das estações de rádio da cidade onde falava do mundo do cinema e queria transforma-lo numa autêntica obra de arte sonora. Uitilizava no programa partituras sonoras de filmes e uma narração livre intercalada com ofertas musicais ecléticas, desde o jazz até ao pós-punk, passando pela soul music. «O programa tentou inspirar-se na Invasão dos Marcianos de Orson Welles ». «No universo radiofónico da cidade parecia um OVNI». As críticas foram duras: pessoas que diziam que aquilo não era comunicação radiofónica; outros rejeitavam-no por causa da voz esganiçada do apresentador. Houve ainda aqueles que simplesmente perguntavam «Mas quem é Ele»? Agora que o tempo passou Mr. Cury tomou a liberdade de fazer a sua autocrítica: tratou-se simplesmente de provocar uma dilatação auditiva e uma expansão da consciência no ouvinte. Se isso aconteceu, não faço a mínima ideia.




Um ano antes Mr. Cury resolveu fazer um engenho de música e som na única televisão da cidade distinguindo o seu programa do resto dos outros programas da televisão. O programa até nem era, por causa do seu tema, algo em que se possa dar ao luxo de fazer experimentações. A forma foi alterada para parecer algo mais moderno. Alguem disse tratar-se de uma montagem intelectual, outro uma barulheira que se distraiu do seu conteúdo. Agora ele toma a liberdade de fazer a sua autocrítica: «tratou-se de um puro divertimento e experimentalismo, mas com conteúdos muito sérios. Lembram-se daquele provérbio que diz: um adulto deve trabalhar com a seriedade com que uma criança brinca.»?




Nesse mesmo ano, Mr Cury resolveu fazer um documentário sobre um grupo de jovens que se drogavam e cantavam rap: «leva-los ao último reduto para ao mesmo tempo dar-lhes uma oportunidade de expressar o porquê das suas vidas». Estes jovens eram autênticos outsiders e ele na altura também se sentia assim. Mr Cury pensou: porque não fazê-los expressarem-se? porque não provocar um pouco as hostes sociais para que os vejam deste lado da barreira? O documentário foi completamente ignorado. Porquê, Mr Cury? : «Porque nela havia uma poesia maldita que se comprazia na sua própria autodestruição. Filmada ao jeito de Super8mm numa Camcorder DVC Pro, pareceu aos olhos dos funcionários da Imagem uma perfeita heresia». As pessoas, as poucas que o viram, acharam-no fixe... o que quer que isso signifique. Mas eu...eu...(suspiro) posso garantir que Charles Baudelaire adoraria vê-lo».




Mr. Cury anda agora a equacionar a sua próxima experiência sonora e visual revisitando o seu próprio silêncio. Como é que isso é? «O silêncio é uma das matérias mais fascinantes que conheço. Ele pode ser proporcional aos meios sociais - desde a barulheira do mercado até aos catedrais e museus, passando por escritórios absurdamente mudos. Ele está nas pequenas coisas, triviais, como por exemplo ao abrir um frigorífico percebemos que ele está aí e nos sussura». Não sera preciso uma vida inteira e mais alguns suspiros para se realizar um projecto assim, Mr Cury? . «Alguns suspiros talvez. Já o tenho mentalmente visionado» - diz isso enquanto acaricia, entre as mãos, o seu chapéu. Leva-o solenemente á cabeça, inclina-a um pouco. Despede-se com uma única palavra «Cidadão». Ao sair, pareceu-me, nesse instante, um homem público do sec. XIX.

terça-feira, novembro 07, 2006

Chapéus para «mentes privilegiadas»



Há pessoas na vida cultural caboverdiana que se sentem senhores de qualquer coisa de intangível. Actuam como «polícias de sentido político-cultural», obstruindo as artérias da livre circulação de conteúdos. A impressão que me dá é que há muita gente a pedir licença a essa espécie nova de críticistas e guardiões da cultura: lêem o que Eles escrevem, ouvem-Nos na televisão, e só depois querem aceder a esse sentido meta cultural inolvidável que provém da criação humana. A crise criativa que ataca certos artistas é, de certo modo, afectado por essa interferência, um imbróglio que nasce com o estabelecido, com o «status quo»: uma máquina demiúrgica que escolhe, descrimina, privilegia e mata iniciativas. Perante isto o que o artista deve fazer é simplesmente: assaltar os céus (no sentido godard do termo).



Entretanto, neste mesmo cenário, existe uns poucos chatos que são verdadeiras «mentes privilegiadas» e tal como um Rei Midas: em tudo que tocam torna-se ouro para seu bel-prazer. Dá-me, até, um certo gozo ver indivíduos que se crêem num pedestal, aureolados como esfinges, sem todavia terem criado absolutamente nada, sem terem enriquecido o olhar e o ser caboverdiano. É uma lástima que isso ocorra porque, de facto, não há talentos ou génios baseados meramente na filiação, golpes de sorte ou pedidos .



A cultura não é propriedade de ninguém; os valores que a natureza humana produz devem ser colhidos, transformados e recriados, por qualquer que se dê a esse trabalho. Tão natural quanto isso.


Estamos ainda na lógica de «nha tchapéu de padja dja ganha fama»: Só ki kem ki ta dá kel txapeu é Nhu Rei. O dito chapéu devia, honestamente, ser lançado aos quatro ventos para só ser encontrado no labor do trabalho, ao pôr do sol e com olhos no horizonte. Trauteando Picasso, não procurar (desesperadamente) mas sim, encontrar. Quem encontra é porque fez os caminhos necessários, no seu espírito criativo, para que isso acontecesse.

segunda-feira, novembro 06, 2006

A propósito de «Cinema Pobre» em Cabo Verde

A comunidade fílmica formada por afinidades traz consigo a velha questão do cinema de Indústria e cinema doméstico. É como se esse ar de familia que aparentam projecções deste tipo reivindicassem um espaço privado, longe de estranhos. Neste particular, Jonas Mekas é o exemplo máximo e talvez precurssor desta tendência contemporânea, na qual a experimentação e a vanguarda são practicamente uma forma de estar no mundo do cinema e documentário.

sexta-feira, novembro 03, 2006

A Queda do Homem

A fuga para experièncias estranhas á civilização ocidental está cada vez mais na moda. O budismo, o culto do yoga, zen, a inclusão do estilo nipónico no cinema, a descoberta do modo de percepcionar oriental, aparecem como as alternativas para esse mundo louco. Tive um professor de artes que dizia que o problema do homem ocidental é pensar as coisas em termos de acima-abaixo, alto-baixo, ceu-inferno, etc, e que o homem oriental as vê fundamentalmente num plano mais diametralizado: este-oeste, centro-periferia, uno-firmamento. Basta olhar-mos para o conjunto dos saberes produzidos por ambas as culturas no domínio das ciencias do Homem, do Sujeito Cognoscente.

O existencialismo é fundamentalmente uma experiencia ocidental elaborando com ela uma reductio ad absurdum do Homem (Ser ou Não Ser - O Cavaleiro Andante). Na cultura oriental esta experiência é, talvez, mais matizada no sofrimento e de como elimina-lo pela meditação. (O Ser). Esta incursão na meditação não pressupões, necessariamente, o adeus ás armas. O exemplo cabal disso é, talvez, a arte e o método dos Samurais no antigo Japão rural e feudal. Deste lado o equivalente mais próximo disso, deve ter sido a comunidade dos Índios, já dizimados.

O Homem Mediocre, meramente funcional, parece ter, hoje em dia, tanto no mundo ocidental como oriental, um lugar de destaque: são os corpos dóceis, malheaveis pelo sistema (Foucault). Assim a natureza vai sendo domada, vai morrendo, como Dersu Uzala, (Akira Kurosawa) quando percebeu que ao matar o tigre, matou algo dentro de si.