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quarta-feira, junho 29, 2011

TELEVISÃO (2)

Rosana Almeida (www.rtc.cv)



No que toca aos aspectos marcadamente televisivos e de influencia social, existem as tais figuras proteicas e prospectivas que despontam nas televisões, em qualquer parte do globo em determinadas conjunturas políticas e de desenvolvimento. Em Cabo Verde essa figura é assumida, diferenciadamente, pelos incontornáveis jornalistas Rosana Almeida, Valdemar Lopes, Maria de Jesus Lobo e pela apresentadora Margarida Fontes, que na Televisão de Cabo Verde empreendeu, nos últimos anos, uma retro-alimentação do sistema político, social e cultural, em programas como “Grandes Acontecimentos” ou “Sítios e Monumentos”. Apoiada numa elite intelectual, Fontes realiza um acompanhamento tácito do desenvolvimento do país, no ritmo parcimonioso das suas grandes reportagens. O papel da televisão enquanto vector de conhecimento tem conhecido o seu expoente com a arte desta realizadora que sobreleva um certo prosaísmo a nível narrativo, provavelmente demasiado preocupada em realçar a importância dos assuntos tratados. A regularidade e a consistência nos assuntos, que tem por norma abordar, faz dela uma das figuras incontornáveis na moderna televisão cabo-verdiana.

O modelo mais idiossincrático produzido por esta emissora foi, porém, o «Konbersu Sabi», que foi beber às raízes para trazer um modelo de conversação tipicamente santiaguense, altamente performatizado pela Matilde Dias, um dos rostos mais marcantes da televisão cabo-verdiana, até à actualidade.


A apoiar os repórteres e pivots dos programas, temos os imperturbáveis “funcionários das imagens” – realizadores, montadores e operadores de câmara da TV que, por vezes, com alguma autonomia, se aventuram por novas rotas de reconfiguração simbólica de uma dada imagética cabo-verdiana. Ocupados em abastecer o contingente de imagens “tecnopolíticas” (Stefan Sfez; 1990) não deixam, porém, de atribuir, à câmara, a sua função criadora. Alguns destes “funcionários” da imagem chegam a aventurar-se na área de realização de clips musicais, nos negócios informais da produção musical nacional, e têm procurado, naturalmente, contribuir para a construção de um imaginário cabo-verdiano moderno.

terça-feira, junho 28, 2011

[BANCO DE CULTURA]

Está aí o «novíssimo» Banco da Cultura. Arrisco-me a afirmar, pelo que ouvi, ontem, do Ministro da Cultura, Mário Lúcio Sousa, que já existe uma instituição central de apoio financeiro, logístico, moral / ético, para a cultura e que poderá, provavelmente, ser capaz de compreender esta nova classe de artistas, o seu movimento estético e as suas ideias intelectuais / criativas («gérmen»).


Na África do Sul, a acção do governo é implementada com a cooperação de vários órgãos, como, por exemplo, a National Film & Video Foundation, que canaliza apoio financeiro para a indústria cinematográfica, a Business & Arts South Africa, que, por sua vez, promove parcerias sustentáveis entre os sectores de negócios e artes.


Para o sector da arte e cultura em geral fundou-se, em 1994, o Arts & Culture Trust, para custear e gerir o financiamento das artes naquele país. È, talvez, com esta instituição que deverá ser preciso encetar troca de experiências.


segunda-feira, junho 27, 2011

TELEVISÃO (1)

Nam June Paik - «TV-Buddha», 1974



Falar da televisão é, antes de tudo, falar de um invento e da sua repercussão nas nossas vidas. As imagens televisivas têm qualquer coisa como 525 linhas e 30 quadros no ecrã, decompostos a cada vinte e cinco avos de segundo, especificando a intensidade da luz e da cor de cada um dos pontos e linhas. Esses padrões não são visíveis por causa da persistência retiniana e por essa razão nunca damos conta dos 100 mil pixels de imagens que fazem parte das varreduras, linhas por linhas. Os registos são feitos em betacam digital, betacam SP, betacam SX, isto é, sistemas profissionais de produção em vídeo de meia polegada com qualidade broadcoast.


Não estamos a ver um quadro renascentista nem a admirar as cores de Kadinsky, nem a ler um jornal. Estamos completamente imersos por feixes electrónicos, brilhos e pequenas radiações. O espectador, ao ser filmado a partir do televisor que tem à frente, parecer-nos-á como a mais passiva das figuras, e acresce-se, a isso, o facto da sua imobilidade poder chegar a 5 ou 6 horas ininterruptas. Nunca antes o ser humano esteve tanto tempo à frente de um aparelho em atitude contemplativa. Não há memória de algum outro invento que tenha esse poder de nos «alienar».

É bom sabermos que já não estamos a falar apenas do que procuramos naquelas imagens e sons mas de algo que transcende o próprio sujeito que observa e contempla, algo que o modificou por dentro, que lhe converteu e lhe provocou uma mutação. Em 1974, Nam June Paik ironizou, numa vídeo – instalação, o absurdo a que se chegou nesta matéria ao colocar uma câmara que filma um Buda de bronze em meditação frente a um monitor de vídeo onde aparece a imagem desse mesmo objecto reproduzida. É por tudo isso que compreendemos também a intuição de Jean Luc Godard, cineasta francês, um dos principais impulsionadores da nouvelle vague francesa, que chegou a afirmar, com algum humor, que a televisão tem o poder de nos baixar a cabeça, mas que o cinema a levanta, em consequência.


Se, por um lado, em relação ao museu temos uma espécie de geometria e poética de aproximação, que nos permite passar de uma tela para outra sem brusquidão, nem saltos interpretativos, por outro lado, no acto de ver televisão, que é um media frio, ocorre uma experiência próxima do abandono das faculdades mentais, como, por exemplo, o discernimento. Quando muito, cria em nós uma percepção cinestésica ou «uma percepção exagerada por todas as nossas novas extensões sensoriais». Acresce a esse facto o isolamento que impede a socialização ou cria, no máximo, um tipo de socialização ou integração social por via do isolamento individual da pessoa, que se encerra em sua casa e se «liga» ao mundo por via da tecnologia. É o chamado «stay –at-home electronic shopping», um processo também conhecido por cocooning (expressão popularizada por Faith Popcorn em 1990).

sábado, junho 25, 2011

CURTA METRAGEM (2): A Embarcação das Imagens Turísticas

A avalanche de imagens turísticas e paisagísticas sobre Cabo Verde indiciam algo mais hegemónico e que se prende com a excessiva transformação das ilhas em produtos turísticos e culturais. Neste capítulo um dos produtos audiovisuais mais visíveis no cenário da produção nacional é o DVD Multimedia “Cabo Verde Islands” promovido pelo MNECC com produção da Contacto Virtual e Fresco Produções, a partir de uma ideia de Armando Ferreira, David Santos e Paulo Moreira.


O recrudescer do nacionalismo cabo-verdiano e do orgulho nacional fez-se sentir no aumento da quantidade de imagens sobre o nosso país. A maioria delas é, por essa mesma razão, de pendor promocional e as que constituem, de algum modo, enquadramentos sociológicos, caem no jogo fácil de uma moralidade duvidosa. Existe uma ausência perceptível de abordagens antropológicas e de críticas socio-políticas arrojadas. O meio criativo audiovisual praticamente não cultiva as tendências criativas contemporâneas cujos produtos não são visionados de forma activa pelos criadores, pelo menos no que tange às mostras especializadas de documentários que têm estado às moscas.


Os realizadores nacionais, na sua maioria, não funcionam como “expedicionários” que exploram uma montanha desconhecida mas, sim, como donos de uma estalagem isolada, sempre com os mesmos clientes, recebendo de vez em quando um estrangeiro nas suas instalações.


Apesar de se ter registado um ligeiro avanço na definição de um movimento estético e de haver propostas críticas neste género televisivo, a vanguarda documental caboverdeana ainda não se estruturou à volta de um epicentro vital, tal como ocorreu com o documentário político na América Latina, ou com o documentário chino, nos anos que se seguiram ao massacre de Tianamen em 1989, ou, aqui mais perto, com a avalanche de documentários divulgativos, de criação e de carácter político-social financiados pela OIT (Organização Internacional da Francofonia), produzidos e promovidos pela France 2.

quinta-feira, junho 23, 2011

CURTA-METRAGEM (1)




Uma das novidades dos últimos certames tem sido a presença, em mostras e festivais, das curtas-metragens enquanto modo de expressão critica e ontológica face ao mundo*. As curtas-metragens têm constituído, a nível internacional, nas ultimas décadas, uma possibilidade expressiva com características especificas que a distinguem das longas-metragens. A economia de sentido que lhe está associada impele-o para a busca de novos ângulos de abordagem em relação a um mesmo problema, sem ser a mera preocupação em contar um enredo.


Uma curta pode ir de 5 a 55 minutos e não será pela duração que ganha a sua especificidade, mas pela capacidade de síntese e de exegese que ela alberga. Uma simples cena no interior de uma casa pode ser altamente gratificante enquanto cinema, se ao espaço juntarmos a tensão que o tempo provoca e o insólito. Nada é mais certo do que isso numa curta-metragem: buscar o insólito e representá-lo. Mas o desejo de encena-lo não deve sobrepor-se às contingências da produção. O cineasta só deverá contar consigo próprio, no que toca às ideias, à operacionalidade da câmara e do material áudio, porque cada um desses elementos é um elemento estilístico na abordagem que se faz a uma dada matéria. Uma curta-metragem, sobretudo no género ficção, é a única via para o cineasta que pensa realmente trilhar os caminhos da ficção cinematográfica, tout court. É provavelmente o único género cinematográfico através do qual se deve olhar fundamentalmente para a questão da autoria (como ela é entendida na literatura).



* É o caso de “Trompe D’Oeil” de Mário Vaz Almeida (o autor deste blogue), curta-metragem que se debruçou sobre a questão universal da visibilidade, dos sonhos, das suas repercussões nas nossas vidas, e “Blimunde” (a) de Tambla Almeida, que se apoiou num registo mais autóctone sobre a questão da seca que assola as ilhas e o destino dos homens, radicando-a, consciente ou inconscientemente, numa figura mitológica.




(a) Onde se lê "Blimunde" leia-se "Ulime".

quarta-feira, junho 22, 2011

DOCUMENTÁRIO DE CRIAÇÃO (2)

“Contrato” de Guennyk Pires (2010).



Se o documentário de Leão Lopes [“S.Tomé: Os Ultimos Contratados”] estabelece os cânones do género documentário de criação, “Contract” de Guennyk Pires, com o mesmo tema, traz-nos os novos ventos do activismo político-social introduzido por nomes internacionais como Michael Moore. Não basta fazermos uma obra de carácter documental e artístico é preciso intervir na realidade ao ponto de alterá-la. A entrevista ao Noam Chomsky constituiu uma bela surpresa, e atribuiu a este trabalho a autoridade necessária para se lançar em vôos mais arrojados de análise histórica de um problema crucial em África, e, neste caso particular de S.Tomé: a ideia chomskyana de que ao corromper activamente os poderes politico-militares em África as nações poderosas condenam, automaticamente, as crianças e os velhos.


Para compreender esta obra de Guennyk Pires, há que recordar a sua primeira obra «O Percurso do Outro»*, que explora também o périplo do autor / realizador em busca do sentir cabo-verdiano que está presente nele e nos outros, ate obter daí a imagem insigne do homem das ilhas. Esse percurso continuou, agora, na direcção de S.Tomé e Príncipe onde o realizador reencontra o tio que já não via há muito tempo, e acerca de quem já se tinha perdido a esperança de que estivesse vivo, ainda, nas roças daquela ilha famigerada que tantos dramas encerra na história do povo cabo-verdiano. Trata-se de um percurso coerente do realizador. O reencontro entre ele e o tio desavindo (um dos momentos mais pungentes e catárticos desta narrativa documental) consuma um dos grandes propósitos da escrita narrativa contemporânea chamado cine-verité: o mais importante é a história particular das pessoas que a protagonizam, mais do que a representação dos factos, acontecimentos ou processos.



Não é inocente o facto de dois melhores documentários produzidos em 2009-2010 serem precisamente sobre a questão dos contratados para o trabalho nas roças de S.Tomé, que por lá ficaram. O drama da emigração para aquelas ilhas é, seguramente, a mais traumática para a história de Cabo Verde, tendo afectado todas as gerações de cabo-verdianos. É difícil encontrar alguém que não tenha um familiar perdido naquelas roças de cacau, nos tempos em que os contratos de trabalho eram realizados com burlas e com omissões de factos. Isso constitui uma reserva de dramas e tragédias facilmente explorável para os cineastas que quiserem se aventurar nela.




*O realizador volta novamente, em 201,1 com esta busca pessoal no novo documentário “Em busca da minha identidade” pelo passado colonial e movimentos de libertação.

segunda-feira, junho 20, 2011

DOCUMENTÁRIO DE CRIAÇÃO (1)

Em Cabo Verde registamos uma longa elipse no processo que conduziu às práticas artísticas e videográficas. As movimentações estéticas saídas desta arte contemporânea, nos anos 60, só despontaram, na actualidade, com um núcleo vanguardista que se afasta da mainstream pela natureza do trabalho desenvolvido pelos criativos, mas também, pela novidade que ela encerra, pelo conteúdo e interesse dos mesmos. Trata-se, na verdade, de uma vanguarda descontextualizada, inspirada numa ordem que funciona algures que desconhece ou não se aventura pelo círculo universitário cabo-verdiano, o potencial nicho de mercado capaz de compreender, para já, os problemas que este género tem por vocação levantar. O elitismo e a filosofia bunker partilhada por estes novos prospectores e amantes das novas tecnologias provoca uma forte assimetria nesta esfera particular da criação audiovisual.



O género documentário de criação, enquanto capacidade de expressão e de linguagem só muito recentemente aparece, nomeadamente em produtos audiovisuais como “O Percurso do outro de Guenny Pires, “Batuque: A Alma de um Povo” de Júlio Silvão ou “S.Tomé - Os Últimos Contratados” de Leão Lopes. Inclusive nos círculos intelectuais mais cultos, só nos últimos três anos se deu conta da existência desse novíssimo género cinematográfico que é o documentário de criação.



O primeiro sinal de que algo estaria a mudar na percepção que temos da cultura audiovisual ocorreu com o documentário «O Percurso do Outro» de Guenny Pires, no qual se viu uma mudança de perspectiva na forma como se estruturaram os assuntos nela retratados. Destaque também para a forma como se produziu o referido documentário “Batuque A Alma de um Povo” e para o papel da produtora LX Filmes de Luis Correia neste processo, um dos responsáveis directos pela mudança de perspectiva na forma como olhamos para os documentários: planos longos, narração off que foge aos cânones da simples reportagem e a atenção particular (talvez demasiado particularizada) do realizador da obra referida.



Referimos anteriormente que um certo núcleo de “artistas audiovisuais” está demasiado longe do seu potencial público-alvo para fazer algum sentido. Se levarmos em conta o que Efren Cuevas (2005) defende, num esclarecedor tratado sobre este assunto, isto é, que só a racionalização de uma vanguarda a pode tornar num movimento estético e politico, podemos concluir que nada sobrevive sem uma publicação especializada, promoção de mostras e festivais sobre temas específicos. Se os eventos, mais ou menos mediatizados, vêem sendo realizados, não se viu, ainda, até à data, nenhuma publicação especializada na matéria. Uma ausência compreensível na jovem cultura audiovisual cabo-verdiana que, doravante, se procura retratar nesta obra.




Outra das particularidades do meio audiovisual cabo-verdiano é que a vanguarda aparece algo deslocada, pouco imbuída de especificidades que a caracterizam em outras paragens. Uma estrutura atomizada, livre na forma, no modo e no conteúdo dos trabalhos, que se estendem do puro experimentalismo, passando pela estilização dramática de um facto marcante na história partilhada Cabo Verde e Portugal, até à forte carga autobiográfica e diasporizada de consciências emergentes no seio dos emigrantes cabo-verdianos.


As narrativas autobiográficas, enquanto género, não existem no panorama audiovisual cabo-verdiano, pelo menos no que diz respeito à sua instauração nos festivais e mostras de vídeos. Existem, porém, esses vídeos que são frutos da opção de certos artistas plásticos por uma nova possibilidade de expressão artística, que estão em busca de uma nova linguagem em que se possam expressar nas suas criações*.


* É o que se vê nos trabalhos, em vídeo, do Mito.

sexta-feira, junho 17, 2011

FICÇÃO CINEMATOGRÁFICA CABOVERDEANA (4)

Cena de «No Inferno» Encenado por João Branco * Fotografia: Kizó Oliveira * Fonte: Blog «Na Boca do Lobo»



De finais dos anos 80 à década de 90, nas primeiras horas do vídeo e da televisão cabo-verdianas, uma larga fasquia da produção audiovisual limitava-se a pequenos concertos musicais e teatros filmados. A Juventude em Marcha sobreviveu às gerações de grupos teatrais e ganhou espaço numa área de negociação com a linguagem audiovisual originando o teatro filmado, como se de um género autónomo se tratasse. O grupo "Fladu Flá", na mesma senda, tem sido o principal impulsionador do género. Basicamente o que os criadores fazem é encenar, teatralmente, as acções, sem se preocuparem com a continuidade material e dinâmica dessas acções (caras ao cinema), dando mais atenção às caracterizações e ao texto dramático.


Assistimos, no mês de Março e Abril de 2010, a um recrudescer do teatro como género, com a entrada em cena de um novo grupo Otaca, com gags fortes sobre a condição do homem cabo-verdiano na sua labuta por outras paragens e na sua luta diária com as intempéries de um país transformado por dentro. Todavia, se é nos palcos e auditórios que o teatro triunfa assistira-se, na recta final do ano 2009, a um trabalho que desafiou as convenções do género: João Branco apresentava “No Inferno”, com uma banda sonora pungentemente cinematográfica de Caplan Neves, num registo raro de junção de aparato teatral (encenação, cenografia e figurinos) com a “vontade” de cinema, qualificando assim o melhor meio artístico cabo-verdiano com aquilo que gostaríamos de ver e ouvir em imagens montadas num ecrã. Uma reinvenção do cinema, pelo teatro, no mais secreto dos pactos entre géneros primos.


Contrariamente ao teatro, no qual se cultivam as colaborações e entreajudas, no sector mais avançado do meio artístico audiovisual prevalece a prática daquilo que Marguerite e Willard Beecher chamam de “courtship dancing” : uma forma prevalente e altamente irritante de não - cooperação. O “courtship dancer” está sempre tentando afastar os outros do seu percurso, impedindo-o de avançar com a iniciativa. Muitas “experiencias de cinema” detiveram-se nesse murro invisível, levantado no meio de um salão onde todos os dançarinos, movidos pelo desejo, esbarram, ao procurarem a melhor forma de chegar ao primeiro prémio. Algumas dessas “experiencias de cinema” não conseguiram passar de um único filme e outros não chegaram a passar de uma curta-metragem singela, com marcas de produção precária.


Acrescente-se a isso a eterna querela cultural e artística que mantém Mindelo como refém das transformações políticas e regionais, enquanto se assiste a algum “desequilíbrio” pontificante no meio social e artístico da cidade de Praia que, mesmo sendo o centro dos poderes políticos e culturais, está atravancado com mazelas da história e estigmas vários que deixa, na difícil arena sócio – política, poucas hipóteses de superação à iniciativa individual, em permanente combate desigual contra aquilo que já está enraizado na mentalidade de um povo, há séculos.

Não raro, encontramos ali uma certa franja “curiosa” do universo audiovisual cabo-verdiano como aquele núcleo de apaixonados e amadores que, imbuídos do espírito do atelier e do chamado work in progress, vão fazendo as suas experimentações a nível da técnica .

quinta-feira, junho 16, 2011

FICÇÃO CINEMATOGRÁFICA CABOVERDEANA (3)

Cena do filme «Ilhéu de Contenda» de Leão Lopes


Da literatura provém uma dimensão do nosso imaginário, naturalmente, associado aos Claridosos, que assentaram as bases sociológicas e antropológicas da cabo-verdianidade. Depois de séculos sob a «sombra» literária-ontológica-socializante do colonialismo português, emerge o homem cabo-verdiano na sua insigne figura, destacando-se do fundo politico-social que lhe é demarcado do ultramar. Essa figura é a dos próprios Claridosos, na sua atitude e no seu modo de escrita, mais visível na adopção que se fez do crioulo como possibilidade poética e existencialista. Um fenómeno idêntico a esse período áureo da cabo-verdianidade (que despontara em Eugénio Tavares) está ainda por nascer na ficção cinematográfica, tanto a nível das adaptações como a nível das criações originais, portanto, ainda muito longe de se constituir como alternativa, enquanto “imaginação produtora”, dada a inexistência de indústria audiovisual e cinematográfica no país . De ressalvar, que toda a História das imagens em movimento foi marcada por rupturas e revoluções que ocorreram, logo, com a invenção do cinema. Logo cedo, criadores como D.W. Griffith estruturaram, de imediato, uma linguagem para todo o imaginário yankee que já existia na literatura norte-americana.

Muito do que se produz e se produziu na literatura cabo-verdiana (claridosa e pos-claridosa) contem em si uma técnica de conversação que parece ter sido retirada dos serões da tarde, de figuras eminentes da cena social cabo-verdiana. Na nossa cultura adoptou-se esse universo representacional do quotidiano e da vizinhança, essa espécie de falar manso, despreocupado e com tendência para a evasão. Toda a literatura cabo-verdiana, desde os claridosos, encontra-se impregnada dessa veia conversacional, salvo os que estão embevecidos na prática de intertextualidades ou um ou outro que anda entretido em afogar-se em algum mal-estar existencialista. Existe uma outra variante do “imaginário” cabo-verdiano que nos é despertado pela textura da voz celestial de Cesária Évora, pela dimensão onírica das suas canções, que leva a que se busque, a partir delas, o referente possível em imagens, obtidas de paisagens naturais, das ruas e noites de Mindelo, em efeitos visuais que expressam sonhos e prazeres hedonistas. Os seus clips musicais, que fazem parte das produções de bom orçamento, que já estamos habituados a ver em projectos musicais internacionais, incidem, na sua maioria, nos aspectos naturais e desprendidos da arte da Cize, isto é, da sua forma de ser e de estar. Num país essencialmente musical, o imaginário das ilhas e o seu natural desejo de representação, encontra, evidentemente, o seu depositário nas canções e nos vídeo clips dos grandes músicos cabo-verdianos. Assistiu-se, nos últimos anos, às melhorias substanciais no tratamento, ao nível da fotografia, da encenação dos desejos, e dos grandes arquétipos cabo-verdianos como a estiagem e as secas, as encostas das ilhas, o mar, a velhice e a saudade. A ruptura, facilmente dedutível desta realidade, seria, então, a capacidade de “transcodificarmos” a linguagem desse universo sensual da música, de reproduzir as falas, na sua natureza sã e reivindicativa, algo que não suscite apenas uma vaga comoção, mas a certeza de uma identidade construída.

Esse imaginário que deve sair das vivencias quotidianas da camada jovem, plena de ritmo e estilos diferenciados, não tem ainda plena expressão no contexto de criação audiovisual e cinematográfica nacional. Tornou-se necessário restituir à ficção o seu papel de construtor de realidades, e ao activismo artístico e cultural o seu verdadeiro espaço, face à uma cultura televisiva com tendência para a hipocrisia e o grotesco.

quarta-feira, junho 15, 2011

COMO PODERÁ EXISTIR A ARTE SEM A CRIAÇÃO?

Mário Vaz Almeida é professor na Universidade Jean Piaget, na Praia, licenciado em Ciências de Comunicação, variante audiovisuais e medias interactivos. Tem uma pós-graduação em documentários que também detém uma componente jornalística. Frequentou durante seis meses um curso de Jornalismo no CENJOR, em Portugal, para além de formação na RTC também ligado ao jornalismo, Realização e Produção de programas. Em entrevista a Nos Identidade, este profissional deixa transparecer o gosto pela arte criativa.



* Entrevista conduzida por Cândida Barros (aluna finalista do curso de Ciências da Comunicação da Universidade Jean Piaget de Cabo Verde)



Nos Identidade – Queria que falasse um pouco sobre a disciplina de Atelier de Criação?
Mário Almeida
– Atelier de criação é uma cadeira Interdisciplinar, quer dizer que os alunos terão que, a partir das outras disciplinas, dos conceitos e das noções, fazerem alguma coisa prática no atelier. Tem um factor que é a questão da experiencia: o estudante terá que ter experiencias de fazer as coisas, trabalhar na prática, manufacturar ideias, conceber e tratar fotos, filmar quando se pede, e são esses conjuntos de preceitos que vão ser avaliados pelo professor da cadeira, e que já tem a ver com a capacidade criativa do aluno. Cabe ao docente ver se o aluno, de vez em quando não repete padrões, se é capaz de assumir uma responsabilidade no futuro, porque a criação é pluridimensional: tem a ver com a postura do aluno, a forma de interacção entre ambos, aspectos importantes para uma aprendizagem saudável. O professor tem que ter uma componente criativa forte para provocar os alunos, obrigando-os a um feedback.



NI- Para leccionar Atelier de criação, para a variante de Jornalismo, o professor tem que ser um Jornalista?
MA
- Tem que ter conhecimento de jornalismo. Eu dou esta disciplina por várias razões. Primeiro, porque sou licenciado em Ciências de Comunicação, variante audiovisuais e mídias interactivos; tenho uma pós-graduação em documentários que também é uma componente jornalística. Tenho várias formações em jornalismo, fiz Cenjor durante seis meses e de alguma forma tinha que pôr em prática aquilo que aprendi. Cenjor é considerado o maior centro de Jornalismo em Portugal. Tive formação na RTC também ligado ao jornalismo televisivo, Realização e Produção e obtive um diploma. Tenho várias especialidades que me habilitam a fazer atelier de criação sempre que o quiser.
Portanto eu estou, sempre, dentro das diferentes áreas a criar coisas novas. Mesmo nos vídeos pessoais que realizo a nível dos documentários a minha ideia é sempre inovar, trazer algo diferente, e é isso que tento passar nas minas aulas de atelier de criação. Penso que deve haver uma atitude descomplexada em relação às pessoas, não se pode rotular ninguém, criar estereótipos, isso não é criação, mas sim comodismo.




NI- Da sua experiência como Professor universitário qual é o melhor método para a disciplina de atelier de criação?
MA –
Tratando-se de uma universidade, não pode ser padronizado como um ensino secundário; os alunos não podem ficar à espera de "tpc" (trabalho para casa).O que se faz aqui é conciliar as duas coisas porque temos a consciência das dificuldades do ensino em Cabo Verde. Alguns chegam com dificuldades e sem preparação para estarem numa universidade, e às vezes misturam as metodologias. Existem excepções, mas há uma parte desse ensino que é assistencialista, mas nós temos que trazer coisas secundárias para que o aluno se recorde de alguma coisa. Ele é confrontado com conjunto de exigências que tem a ver com a vida universitária em que os requisitos são outros. O aluno já vem com o raciocínio suficientemente completo porque o 12º ano lhe dá isso. Se se não trabalhar este aspecto irá ficar sempre preso ao secundário e não consegue desenvolver um trabalho de cariz superior. Existem casos em que o professor tem de estar sempre a chamar atenção. Na universidade é errado pensar que um professor tem que estar a correr atrás do aluno, por exemplo; todavia, existem trabalhos que têm de serem avaliados, e eu tenho que avisar milhões de vezes, porque além de cuidar da própria disciplina,cabe-me também chamar o aluno à responsabilidade.




NI- Sente-se bem na sua profissão?
MA- Eu gosto, sinto-me muito bem e estou à vontade. Acho que sou o único, provavelmente, que tem esta liberdade com os alunos e com a própria disciplina. Isto permite-me explorar vários campos, isto é, não me limito a dar uma matéria conceptual como as disciplinas teóricas que têm programas rígidos. Houve uma mudança de programa em relação ao ano anterior, quando cheguei encontrei um programa muito rígido, não permitia ao aluno aventurar-se por muitas coisas. Assim, adaptei o programa, fiz várias pesquisas, trouxe novas perspectivas ao atelier de criação para os alunos de publicidade porque a disciplina foi mudada em 2 turmas e eu tive que mudar completamente o programa porque não havia forma de pôr os alunos a trabalhar. Então, criei séries de procedimentos empresariais: trazer-lhes briefing para fazerem cartazes, por exemplo, e obrigá-los a entregar em tempo oportuno; entre outras actividades. Com o de Jornalismo também tento criar essa ideia de que estamos numa redacção: a pessoa tem que estar constantemente a criar noticias, por isso levo para turma temas actuais sócio-politico cabo-verdiana para que esse programa se cumpra.


NI- Então tem o método democrático, deixa a criatividade por conta dos alunos e depois faz a avaliação?
MA
É isso mesmo. Mas eu estarei sempre em interacção com os meus alunos.

Fotografia & texto: Cândida Barros



terça-feira, junho 14, 2011

FICÇÃO CINEMATOGRÁFICA CABOVERDEANA (2)

Tchalê Figueira

"O imaginário é, sim, o que existe. O real, se me permitem, é algo puramente inconsequente, algo que não se traduz, algo impossível de concretizar"


Irineu Rocha (a propósito da pintura de Tchalê Figueira)





A celebração da aparência que ocorre na maioria das produções artísticas contemporâneas é apresentada pelo filósofo italiano Perniola, na sua obra «A Arte e a sua Sombra», como uma das duas aventuras artísticas na experiência cultural do Ocidente, que se liga à indiferença, afastamento, suspensão até se reverter numa atitude estética próxima da catarse.

A outra aventura prende-se com a experiencia da realidade, de participação, de envolvimento e compromisso, ou, se quisermos, de uma «imaginação produtora». Esta última é a linha prospectiva que situa a arte como “uma perturbação, um fulgor e um choque”, similar a que emerge das práticas videográficas. Esse tipo de experiências estéticas convive muito mal com a presença de uma certa camada de intelectuais africanos, resistente às mudanças tecnológicas e, fundamentalmente, ao espírito dos novos tempos, uma vez que estão imbuídos daquela pré-disposição que motiva os "eternamente folclóricos" e os “puristas do género”.


Espreitamos, assim, uma aventura nova que resulta de uma apetência natural pela paródia de gentes e situações, em novos moldes (distinta do teatro de província). Estará aí uma nova ficção, criada na memória afectiva das gentes, e que quer estar numa vivência plena com a tecnologia, com as imagens e arquétipos contemporâneos. Entrevemos e ousamos uma vontade de transgressão, de fragmentação do “ego” identitário cabo-verdiano, de recriação dos velhos contos, propícia ao desenvolvimento do género ficção, em qualquer cultura que seja.


Nos primórdios da cultura romana, na Antiguidade, qualificava-se de “imaginarius” aquele que fazia imagens, estátuas, bustos ou efígies. Analogamente, o artesão que, desde os fins da Idade Média se dedicava à escultura ou á pintura sacra, passou a ser conhecido como “imagineiro” ou “santeiro”. Essa assunção da incontornável natureza e condição “imaginal” do homem e da cultura, que quer passar do plano dado para o plano desejado, da realidade para o sonho, consagrada na expressão de Pessoa “nada se sabe tudo se imagina”(Fernando Pessoa Ricardo Reis: Odes Lisboa), levantou, como se sabe, uma suspeição de base ontológica acerca da imaginação. Essa viva emoção não deixou de se ir projectando, ainda, ao longo de mais de dois mil anos, no posterior julgamento expresso, por exemplo, por Pascal quando perspectiva a imaginação como: “cette maîtresse d´erreur et de fausseté”, ou “cette superbe puissance ennemie de la raison, qui se plaît a la controler et a la dominer”. A necessária delimitação de um dado domínio espácio-temporal do imaginário é postulada, entre outros, por Merleau Ponty quando coloca a imaginação como “turbilhão de experiências” numa “placenta social”, isto é, um lugar onde se experimenta e se existe.



Todos nós temos na família aquele elemento que chamamos de “partioso(a)” que nos diverte e nos entretém com o seu falar, seu jeito e graça. A “partiosa da casa” alberga nele o imaginário da família, da vizinhança, ou quiçá, da região onde vive. No complexo sistema de representações e interpretações vivas do nosso viver, dos nossos sonhos, o "imaginário" é o que mais nos enleva, um "algures" que nos é imanente e nos aproxima das coisas com um novo olhar. É a expressão mais grandiosa do que o próprio indivíduo. A “partiosa” pertence á vizinhança e à região onde vive.

sexta-feira, junho 10, 2011

FICÇÃO CINEMATOGRÁFICA CABOVERDEANA (I)

A primeira experiencia de produção e realização no cinema, em outras paragens, foi o de recriar com realismo a vida dos heróis e dos malogrados. A experiencia de linguagem e de estilos fotográficos surgiriam muito mais tarde. No nosso país tudo começou com o “Guarda Vingador” - a primeira experiencia do cinema; “o primeiro filme feito em Cabo Verde» (Rui Machado: 2008) que buscava retratar precisamente o real arriscado, potencialmente heróico dos primeiros filmes de Hollywood. O que veio a suceder-se, depois de uma longa elipse na rarefeita cinematografia cabo-verdiana, foi a tímida incursão nos domínios da adaptação de obras literárias de autores cabo-verdianos. Esta dívida para com os primeiros aventureiros do imaginário das ilhas irá marcar a produção mais actual de filmes em Cabo Verde: “Testamento do Sr. Napumoceno da Silva”, “Ilhéu de Contenda”, “A Ilha dos Escravos” - todos eles, adaptações de argumentos originais de escritores cabo-verdianos nomeadamente Germano Almeida, Manuel Lopes e Evaristo de Almeida.





Uma das poucas aventuras em recriar o quotidiano do homem cabo-verdiano num guião original está no filme “Fintar o Destino” de F. Vendrell: um olhar saudosista que impressiona pela caracterização do personagem principal e pela reprodução de uma vivencia mindelense muito próxima daquela que estamos, realmente, habituados a viver. Nesta obra a juventude cabo-verdiana mereceu, em parte, um tratamento mais honesto e em conformidade com o seu real desejo de auto-expressão ( o amor sensual e as discotecas). Apesar de haver, ainda, uma certa visão paternalista na abordagem à realidade cabo-verdiana, herdada de um passado colonial congratulamos com este olhar mais condescendente para com a nossa juventude, sempre que ela aparece, nas condições de uma produção cinematográfica de grande orçamento.



No polémico “Cabo Verde Nha Cretchéu”, de Ana Lisboa Ramos, assistimos a uma arriscada incursão da realizadora pela ficção galopante e controverso, na linha do que se viu em “Magnólia” de Paul Thomas Anderson (sem comparações de natureza criativa) com o qual entrevemos uma relação remota, no seu substrato motivacional. Um conjunto de histórias soltas como as que saem das conversas de vizinhança e que começam com a expressão “tal fulano se meteu com sicrano”, polvilhadas de tragédias familiares que constituem o repertório do quotidiano crioulo: “é isso que somos, é isso o que nos acontece”. O filme teve, porém, uma fraca actuação dos actores, com pouca atenção aos papéis secundários que se sobrepuseram em determinadas alturas da narrativa aos papéis principais. Os cenários, característicos de uma pequena produção, não contribuíram para a verosimilhança da história contada, o que originou ferozes criticas de Abrãao Vicente, importante figura da televisão nacional, tendo ido parar às barras dos tribunais, numa peripécia que extrapolou da ficção para a realidade. Mais um dos nossos casos, “do que somos e do que nos acontece”. Passado algum tempo depois do filme, alguém viria a comentar com um certo fatalismo que Cabo Verde não tem actores (para o cinema, diga-se de passagem). O descrédito originado pelas fragilidades de uma fraca produção e pela insuficiência de uma emergente classe de actores cabo-verdianos de cinema, explica, em parte, a inclinação natural para se reconhecer a impossibilidade de haver um cinema cabo-verdiano, enquanto representação fiel do nosso imaginário. A rodagem de «Futcéra» em S. Vicente e de “Raboita de Rubon Manel” no Tarrafal (2010)*, na jovem produção audiovisual e cinematográfica veio equacionar novamente o problema da representação de um imaginário cabo-verdiano num quadro histórico determinado.


* Carlos Freitas, realizador de “Raboita de Rubom Manel”, é um dos poucos realizadores, naturais de Cabo Verde, com apetência natural para o género ficção, se levarmos em conta o seu anterior trabalho para a televisão “A Caderneta”: uma câmara subjectiva que põe no mesmo ponto de vista o espectador e o doutor para quem a protagonista fala; um recurso estilístico que aparecera pela primeira vez em “A Dama do Lago”/ “Lady in the Lake” (EUA, 1946) de Robert Montgomery.

«Futcéra», rodado em S. Vicente, é um claro sinal de que há quem, ainda, lute pela edificação do género ficção na cultura audiovisual nacional.

quarta-feira, junho 08, 2011

HILÁRIO BRITO, DJIBLA E...CARLOS PULU!

O caso de Carlos Pulu (ver http://www.cafemargoso.blogspot.com/), que vai ser julgado no célebre caso da TVP, auto-intitulada TV do Povo, vai ficar na história do audiovisual caboverdeano.



Para a história fica também a primeira demonstração da hegemonia da técnica electrónica que foi levada a cabo por Hilário Brito, um patrão da electrónica e tecnologia vídeo que marcou a vida social e cultural cabo-verdiana ao criar, praticamente sozinho, a “primeira emissora nacional”. Este senhor esteve à frente do seu tempo e consumou as aspirações dos videastas e experimentalistas da electrónica dos anos 60-70, como Nam June Paik, que fez esta clamorosa afirmação: “Quanto tempo falta para que o videasta tenha o seu próprio canal televisivo?”. Pode-se seguramente afirmar que, em Cabo Verde, um homem o conseguiu sem ter motivações de poder e sem haver nenhuma confluência. Mas fê-lo movido por uma paixão: a electrónica.


Vale a pena aqui ressalvar a experiencia «paralela» ocorrida em S. Vicente nos finais dos anos 60 e que se prolongou até aos anos 80: “uma história que começou com o senhor Chiberto Faria, na altura gerente do banco, ainda no tempo dos portugueses (…) De Burro ele carregava baterias e televisores para Monte Verde – ainda não havia estrada – e lá começou a captar emissões de Dakar e Canárias.” Como contou o conhecido mindelense Djibla (Daniel Pinto Mascarenhas) na revista “Ponto & Virgula”(8) e que vale a pena ler. Chegou-se mesmo a formar uma TV Galeano ou TV Supirinha com a ajuda de um engenheiro da Philips. E fez-se, em certa medida, uma pequena produção com câmaras e magnetoscópios pessoais, com a consequente corrida às antenas de captação por parte de populares. Uma história que se reporta mais à experiencia dos primeiros inventores e saltimbancos na muito particular (e um pouco anárquica) historia do cinema que começou por ser uma actividade de circo e de exibições populares.




Em Cabo Verde essas ramificações nas experiencias de vídeo e TV vão desembocar, em 1984, na criação da TEVEC (Televisão Experimental de Cabo Verde), em 1984, para abrir uma nova era na história do audiovisual cabo-verdiano.

terça-feira, junho 07, 2011

CENTRO CULTURAL BRASILEIRO

Na sequência de vários Workshops sobre Documentário no CCB, no verão de 2009 entrevistamos Sr.ª Marilene Pereira, Directora do Centro Cultural Brasileiro que, de uma forma geral, considera que se deve pôr a tónica nas novas tecnologias vídeo/multimédia e lutar contra um certo «laxismo» que impera no seio dos potenciais criadores.




Dr. Marilene Pereira, desde que é Directora do CCB, que espaço tem ocupado o cinema na vossa programação cultural?
O cinema tem sido desde a primeira uma actividade constante cinema adulto e só o cinema brasileiro. Actualmente a gente faz uma programação mensal específica. Para a criança é mais raro porque o Brasil não tem uma grande produção de cinema para o público infantil. Além do espaço que é um auditório a gente tem feito parcerias com a Câmara Municipal. Por exemplo, na quarta-feira a nossa programação de cinema era na Praça, no ano passado foi feito um cinema voltado para os jovens. Este ano o CC Mindelo já está com uma programação de cinema ligada ao Carnaval. Paralelamente a isso fizemos tanto no primeiro ano de funcionamento como no segundo ano formações em documentário. No primeiro ano foi mesmo sobre cinema; os jovens aprenderam a fazer o guião, a questão da iluminação e do som. Era um grupo de 15 jovens.
No ano passado fizemos documentários curtos. Fizemos já duas formações. Está previsto este ano na nossa programação mais uma formação em cinema com aquele grupo que veio em 2008. Mas isso depende do governo brasileiro. Para as actividades maiores precisamos de mandar para a aprovação do Camaraty. E estamos a tentar uma parceria com a Telecom, já há uma sensibilidade, e que é um festival de curtas metragens só com telemóveis. Já temos um realizador para acompanhar. Se não resultar essa parceria vamos avançar com a T+. Inspira-se num festival do Brasil da autoria de uma companhia de telemóveis do Brasil que já tem um festival nacional de curtas que já tem bastante impacto. Essa é, portanto, a nossa parte do audiovisual. Incluímos também no programa passar cinema no bairro a começar primeiro pela Praia escol¬her cinco bairros e durante o ano passar a outros bairros.

Qual o bolo orçamental que cabe ao sector audiovisual no CCB?
Por incrível que pareça não é um pacote caro o que se dedica ao audiovisual. A única coisa que temos que fazer é a promoção. O governo brasileiro patrocina os filmes, directa ou indirectamente, por fundos. Para além disso para ter direito a isso o governo tem que pagar o direito de transmitir esses filmes, concedida a todos os centros culturais brasileiros espalhados pelo mundo.




Existe um programa de incentivo á produção audiovisual a esses países e que seja algo sistemático?
Não tem nenhum. Porque não faz parte da política cultural brasileira repetir as actividades. Há, todavia, um festival que já vai na sua 4.ª edição e que é o Festival Internacional dos Direitos Humanos. É um programa latino americano mas é de iniciativa da Secretaria do Estado dos Direitos Humanos que é ligada á Presidência da República do Brasil. Este ano o programa foi estendido a Cabo Verde e a Guiné-Bissau. Estiveram já duas técnicas da secretaria e elas têm interesse em que esse programa continue em Cabo Verde. Mas não é só trazer os filmes de Festival Internacional da América Latina. Quer dizer que tem uma selecção; trazemos tudo o que tem interesse para Cabo Verde. Mas há também interesse para que seja produzido localmente documentários para passar nesse festival Cabo Verde - Brasil. Como há muita sensibilidade da parte dos organis mos internacionais pela questão dos direitos humanos pode ser que consigamos através da questão dos direitos humanos institucionalizar uma actividade audiovisual dessa natureza em Cabo Verde.




Qual seria neste caso o papel do Governo?
Eu não gostaria de encostar o governo á parede. Acho que os activistas sociais têm uma capacidade mínima para fazer a produção. Há câmaras baratas; há programas de edição que você até pode baixar na internet. Eu acho que falta mais qualidade a nível de agentes culturais do que a nível do governo. Eu não apoio nada que é medíocre. Tem gente que tem que parar de ter essa visão carola: “ah, é culturinha”. Não! Ou é produto cultural ou não é! O mundo não aceita “culturinha”. “Sou coitadinho. Vamos apoiar.”. Não! Tudo tem que ter uma base económica.
O governo brasileiro não financia filme que não tem resultado de bilheteria porque quando o governo financia sai o nome de governo lá e o governo quer publicidade. Não é carolice. O governo está associando o seu nome a um produto de qualidade. Em vez de pagar publicidade na televisão tá incluindo a publicidade pagando previamente por ela. Os agentes culturais aqui ainda são muito pidões. Vamos fazer uma coisa com qualidade e parceria, não “apoio”. Não gosto da palavra apoio.




Há alguma figura que destacaria no cenário de produção nacional?
Eu destacaria o Silvão que inclusive acabou de ganhar um prémio da DOC TV. Pelo menos é o que e mais visível. Porque ele já está conseguindo se movimentar externamente. Olha aí o pacote da DOC TV quase não houve candidatura. Era ter ideia. Eu não posso pedir apoio ao governo para ter ideia, eu não posso pedir apoio ao governo para ter talento. Há financiamentos internacionais. Eu soube agora que o Mário Benvindo ganhou um financiamento grande num trabalho sobre a ecologia. Há instituições que financiam. E não é apoio. É parceria.




O CCB entraria em parceria para uma produção?
Não. Não é vocação desta instituição. A cooperação do Brasil com Cabo Verde não se baseia em recursos financeiros. É com base na disponibilização de capacidades técnicas. É este o modelo de cooperação que o Brasil faz com o mundo. Não tem dinheiro, tem capacitação técnica. Pontualmente, por exemplo no caso da dengue a gente disponibiliza uma ajuda de emergência financeiro.




Como vê a nossa televisão pública?
Eu vejo muito pouco TCV. Vejo mais outros canais internacio-nais. No caso das outras emissoras mostrou ser tão ruim e tão medíocre que a TCV parece super á frente da mediocridade com os recursos que eles têm. E há que tirar o chapéu a Tiver que anda na cate cate fazendo coisas interessantes. Mas a TCV está demonstrando nos últimos meses uma interelacção com o público que é muito interes¬sante. Uma interacção que acontece lá fora. Veja a SIC que eu acho indecente: meia hora de publicidade. Portugal não deve ter uma autoridade de regulação de comunicação televisiva porque é um desrespeito que num país de crises a televisão manda comprar, manda comprar. O que na véspera do dia das crianças enlouquece a criançada com consumo, consumo. É indecente e criminoso o que a SIC e outros canais portugueses fazem. Nós em Cabo Verde temos essa vantagem. Quem está vendo não é pressionado por publicidade. Mas por outro lado a televisão não ganha dinheiro e recursos para fazer os seus produtos. Eu não poso crucificar a televisão só. Nós temos a televisão com os recursos do país. Tenho uma amiga em casa que veio do Brasil e ela disse-me “esta televisão é do governo, n’é?”. Tá na cara. Ela só passa coisas do governo no noticiário que é só politizado. É só governo, governo. Mas eu estive na televisão e acho que é preguiça. Eu recebi as notas que me mandam até com texto arrumadinho. Eu nem preciso de escrever.

sexta-feira, junho 03, 2011

CULTURA: ESTADO DE COISAS

Marcel Duchamp, "Mile of String"(1942, New York)




A cultura está a ser uma questão mal abordada. Aquilo que deveria ser entendido como fluxos e movimentos, está a ser contemplado com uma visão parmenidiana, na qual se joga o papel da história e da identidade perene de um povo.


Esta situação não difere dos outros países africanos. Como atesta Máté Kovács, coordenador de pesquisa do Observatório de Políticas Culturais na África, no relatório “A economia criativa e a erradicação da pobreza na África: princípios e realidades”: “Em muitos países (africanos), não há nenhuma política cultural nacional formulada. Em outros casos, as políticas culturais oficiais não são adaptadas às necessidades e às situações das populações. Na verdade, para grandes massas da população, em especial nas áreas rurais, a cultura continua sendo essencialmente uma parte do modo de vida tradicional de sua comunidade, para a qual as atividades, os bens e os serviços culturais propostos pelas instituições culturais oficiais e pelo sector de negócios não são de nenhuma relevância”. (Maté Kovács, 2008: pp. 100) in "Economia Criativa – como estratégia de desenvolvimento, uma visão dos países em desenvolvimento” Edição: Observatório Itaú Cultural: São Paulo.