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segunda-feira, junho 27, 2011

TELEVISÃO (1)

Nam June Paik - «TV-Buddha», 1974



Falar da televisão é, antes de tudo, falar de um invento e da sua repercussão nas nossas vidas. As imagens televisivas têm qualquer coisa como 525 linhas e 30 quadros no ecrã, decompostos a cada vinte e cinco avos de segundo, especificando a intensidade da luz e da cor de cada um dos pontos e linhas. Esses padrões não são visíveis por causa da persistência retiniana e por essa razão nunca damos conta dos 100 mil pixels de imagens que fazem parte das varreduras, linhas por linhas. Os registos são feitos em betacam digital, betacam SP, betacam SX, isto é, sistemas profissionais de produção em vídeo de meia polegada com qualidade broadcoast.


Não estamos a ver um quadro renascentista nem a admirar as cores de Kadinsky, nem a ler um jornal. Estamos completamente imersos por feixes electrónicos, brilhos e pequenas radiações. O espectador, ao ser filmado a partir do televisor que tem à frente, parecer-nos-á como a mais passiva das figuras, e acresce-se, a isso, o facto da sua imobilidade poder chegar a 5 ou 6 horas ininterruptas. Nunca antes o ser humano esteve tanto tempo à frente de um aparelho em atitude contemplativa. Não há memória de algum outro invento que tenha esse poder de nos «alienar».

É bom sabermos que já não estamos a falar apenas do que procuramos naquelas imagens e sons mas de algo que transcende o próprio sujeito que observa e contempla, algo que o modificou por dentro, que lhe converteu e lhe provocou uma mutação. Em 1974, Nam June Paik ironizou, numa vídeo – instalação, o absurdo a que se chegou nesta matéria ao colocar uma câmara que filma um Buda de bronze em meditação frente a um monitor de vídeo onde aparece a imagem desse mesmo objecto reproduzida. É por tudo isso que compreendemos também a intuição de Jean Luc Godard, cineasta francês, um dos principais impulsionadores da nouvelle vague francesa, que chegou a afirmar, com algum humor, que a televisão tem o poder de nos baixar a cabeça, mas que o cinema a levanta, em consequência.


Se, por um lado, em relação ao museu temos uma espécie de geometria e poética de aproximação, que nos permite passar de uma tela para outra sem brusquidão, nem saltos interpretativos, por outro lado, no acto de ver televisão, que é um media frio, ocorre uma experiência próxima do abandono das faculdades mentais, como, por exemplo, o discernimento. Quando muito, cria em nós uma percepção cinestésica ou «uma percepção exagerada por todas as nossas novas extensões sensoriais». Acresce a esse facto o isolamento que impede a socialização ou cria, no máximo, um tipo de socialização ou integração social por via do isolamento individual da pessoa, que se encerra em sua casa e se «liga» ao mundo por via da tecnologia. É o chamado «stay –at-home electronic shopping», um processo também conhecido por cocooning (expressão popularizada por Faith Popcorn em 1990).

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