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terça-feira, junho 14, 2011

FICÇÃO CINEMATOGRÁFICA CABOVERDEANA (2)

Tchalê Figueira

"O imaginário é, sim, o que existe. O real, se me permitem, é algo puramente inconsequente, algo que não se traduz, algo impossível de concretizar"


Irineu Rocha (a propósito da pintura de Tchalê Figueira)





A celebração da aparência que ocorre na maioria das produções artísticas contemporâneas é apresentada pelo filósofo italiano Perniola, na sua obra «A Arte e a sua Sombra», como uma das duas aventuras artísticas na experiência cultural do Ocidente, que se liga à indiferença, afastamento, suspensão até se reverter numa atitude estética próxima da catarse.

A outra aventura prende-se com a experiencia da realidade, de participação, de envolvimento e compromisso, ou, se quisermos, de uma «imaginação produtora». Esta última é a linha prospectiva que situa a arte como “uma perturbação, um fulgor e um choque”, similar a que emerge das práticas videográficas. Esse tipo de experiências estéticas convive muito mal com a presença de uma certa camada de intelectuais africanos, resistente às mudanças tecnológicas e, fundamentalmente, ao espírito dos novos tempos, uma vez que estão imbuídos daquela pré-disposição que motiva os "eternamente folclóricos" e os “puristas do género”.


Espreitamos, assim, uma aventura nova que resulta de uma apetência natural pela paródia de gentes e situações, em novos moldes (distinta do teatro de província). Estará aí uma nova ficção, criada na memória afectiva das gentes, e que quer estar numa vivência plena com a tecnologia, com as imagens e arquétipos contemporâneos. Entrevemos e ousamos uma vontade de transgressão, de fragmentação do “ego” identitário cabo-verdiano, de recriação dos velhos contos, propícia ao desenvolvimento do género ficção, em qualquer cultura que seja.


Nos primórdios da cultura romana, na Antiguidade, qualificava-se de “imaginarius” aquele que fazia imagens, estátuas, bustos ou efígies. Analogamente, o artesão que, desde os fins da Idade Média se dedicava à escultura ou á pintura sacra, passou a ser conhecido como “imagineiro” ou “santeiro”. Essa assunção da incontornável natureza e condição “imaginal” do homem e da cultura, que quer passar do plano dado para o plano desejado, da realidade para o sonho, consagrada na expressão de Pessoa “nada se sabe tudo se imagina”(Fernando Pessoa Ricardo Reis: Odes Lisboa), levantou, como se sabe, uma suspeição de base ontológica acerca da imaginação. Essa viva emoção não deixou de se ir projectando, ainda, ao longo de mais de dois mil anos, no posterior julgamento expresso, por exemplo, por Pascal quando perspectiva a imaginação como: “cette maîtresse d´erreur et de fausseté”, ou “cette superbe puissance ennemie de la raison, qui se plaît a la controler et a la dominer”. A necessária delimitação de um dado domínio espácio-temporal do imaginário é postulada, entre outros, por Merleau Ponty quando coloca a imaginação como “turbilhão de experiências” numa “placenta social”, isto é, um lugar onde se experimenta e se existe.



Todos nós temos na família aquele elemento que chamamos de “partioso(a)” que nos diverte e nos entretém com o seu falar, seu jeito e graça. A “partiosa da casa” alberga nele o imaginário da família, da vizinhança, ou quiçá, da região onde vive. No complexo sistema de representações e interpretações vivas do nosso viver, dos nossos sonhos, o "imaginário" é o que mais nos enleva, um "algures" que nos é imanente e nos aproxima das coisas com um novo olhar. É a expressão mais grandiosa do que o próprio indivíduo. A “partiosa” pertence á vizinhança e à região onde vive.

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