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quarta-feira, junho 22, 2011

DOCUMENTÁRIO DE CRIAÇÃO (2)

“Contrato” de Guennyk Pires (2010).



Se o documentário de Leão Lopes [“S.Tomé: Os Ultimos Contratados”] estabelece os cânones do género documentário de criação, “Contract” de Guennyk Pires, com o mesmo tema, traz-nos os novos ventos do activismo político-social introduzido por nomes internacionais como Michael Moore. Não basta fazermos uma obra de carácter documental e artístico é preciso intervir na realidade ao ponto de alterá-la. A entrevista ao Noam Chomsky constituiu uma bela surpresa, e atribuiu a este trabalho a autoridade necessária para se lançar em vôos mais arrojados de análise histórica de um problema crucial em África, e, neste caso particular de S.Tomé: a ideia chomskyana de que ao corromper activamente os poderes politico-militares em África as nações poderosas condenam, automaticamente, as crianças e os velhos.


Para compreender esta obra de Guennyk Pires, há que recordar a sua primeira obra «O Percurso do Outro»*, que explora também o périplo do autor / realizador em busca do sentir cabo-verdiano que está presente nele e nos outros, ate obter daí a imagem insigne do homem das ilhas. Esse percurso continuou, agora, na direcção de S.Tomé e Príncipe onde o realizador reencontra o tio que já não via há muito tempo, e acerca de quem já se tinha perdido a esperança de que estivesse vivo, ainda, nas roças daquela ilha famigerada que tantos dramas encerra na história do povo cabo-verdiano. Trata-se de um percurso coerente do realizador. O reencontro entre ele e o tio desavindo (um dos momentos mais pungentes e catárticos desta narrativa documental) consuma um dos grandes propósitos da escrita narrativa contemporânea chamado cine-verité: o mais importante é a história particular das pessoas que a protagonizam, mais do que a representação dos factos, acontecimentos ou processos.



Não é inocente o facto de dois melhores documentários produzidos em 2009-2010 serem precisamente sobre a questão dos contratados para o trabalho nas roças de S.Tomé, que por lá ficaram. O drama da emigração para aquelas ilhas é, seguramente, a mais traumática para a história de Cabo Verde, tendo afectado todas as gerações de cabo-verdianos. É difícil encontrar alguém que não tenha um familiar perdido naquelas roças de cacau, nos tempos em que os contratos de trabalho eram realizados com burlas e com omissões de factos. Isso constitui uma reserva de dramas e tragédias facilmente explorável para os cineastas que quiserem se aventurar nela.




*O realizador volta novamente, em 201,1 com esta busca pessoal no novo documentário “Em busca da minha identidade” pelo passado colonial e movimentos de libertação.

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