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segunda-feira, maio 30, 2011

"STREET TAPES" E "THUGS" - NA ARENA COM DUDU RODRIGUES

Entrevistamos* o jovem “expedicionário” do vídeo e da cultura urbana Dudu Rodrigues, por ser um caso sério na mudança de atitudes no seio dos activistas e artistas, por representar a verdadeira nata da mais jovem cultura e arte nacional e, sobretudo, por ser uma pessoa esclarecida na sociedade cabo-verdiana actual. Enquanto artista é contemporâneo, universalista e adepto de uma certa estética hip hop.





Na segunda metade do mês de Outubro de 2009, o Centro Cultural Francês na Praia foi-lhe dado oportunidade para exibir uma obra em vídeo, num certame com um programa dedicado ao Cinema de Animação. Dudu Rodrigues que trabalha com técnicas de plasticina e animação multimédia, para alem de organizar eventos, é na verdade o prodígio protegido desta instituição. O CCF, mais criterioso e elitista na escolha que faz dos seus artistas, mais virado para as artes plásticas, musica e literatura, tem dado, sempre, cautelosamente, uma “mãozinha” ao audiovisual nacional mas, ao que parece, deixa aos verdadeiros interessados a incumbência de a construir. É nesta charneira que se visualiza toda a arte de Dudu Rodrigues que não se limita apenas aos vídeos de animação mas que se assume como activista e modelo de consciência da juventude.



Fala-nos um pouco desta actividade que tem estado a desenvolver. O que é que está na base do “Hip Hop Solidário” o movimento recentemente criado por si e pelos seus pares? Qual é a filosofia desta acção?
O hip hop consciente da DJuntiarti é um projecto que tenta fazer actividades e show hip hop, desde a área da música, dança, pintura, e modalidades do hip hop – graffitti, MC, DJ – mas trazendo isso num formato diferente. Apresentação de um vídeo reportagem de um artista que vem participar no show. O show é mensal e cada vez temos novos artistas e cada mês novas entrevistas a ver o que fazem. As novas modalidades que trazem: enfim, como é o ensaio e como é que é o processo de produção. O conteúdo do vídeo tem dois sectores interessantes: num sector mostramos a realidade dos jovens caboverdeanos (o bairro, o dia-a-dia, a família, o grupo social e as conversas); num segundo sector interessante é como é que este jovem tendo uma condição diferente faz arte. As dificuldades que têm em fazer o seu trabalho, como vem a explicação e como vem a ideia. Isso é apresentado antes do show. Temos 15 minutos antes do show. São todos estudantes e todos trabalham na edição e escrita de textos. Temos cerca de 50 GB de conteúdos e seis meses de trabalho. São cerca de 30 grupos de rap no DJUNTIARTI e to¬dos um vídeo de mais ou menos 5 minutos sobre a vida deles.



Enquanto artista tem estado a desenvolver algum projecto?
Este projecto DJUNTIARTI parece mais de inclusão social do que artístico. O projecto inicial eu tinha sempre a ideia de fazer um vídeo que falasse dos problemas dos jovens. Como não sou rap o projecto inicial era estudar o comportamento dos rappers e fazer um vídeo sobre isso. Mas nessas coisas o resultado é imprevisível você vai sempre encontrando coisas novas e os resultados vão se alterando. Mas o projecto continua a ser fazer um vídeo.



Com que regularidade põe os seus vídeos no youtube?
Não, ainda não. Eu tenho a seguinte estratégia: o que eu quero criar é uma rede – uma rede tanto entre os artistas mas que tem algum conteúdo que se possa segura-se por mais tempo.
Os vídeos são feitos numa câmara DV normal estamos a fazer vídeo de celular para celular. Somos ainda uma equipa recem-formada. Ainda estamos na parte de definir o objectivo do grupo. Daqui a lgum tempo pode vir a se transformar em algo. Temos patrocinadores em mente. Por agora temos o único apoio o CCF.


O Dudu Rodrigues já deu um passo em frente a nível do vídeo. Realizou um filme de animação dos bons. Pensa continuar nesta senda?
… digamos que neste momento sou apenas um artista e vou continuar a fazer o trabalho. Neste preciso momento estou a trabalhar os meus bonecos para o meu próximo filme de animação que vou exibir no Palácio da Cultura. Faço isso em paralelo com o trabalho de activismo social. A parte do conteúdo é a razão porque estás a fazer aquilo. Eu já tenho o meu conteúdo que é justamente o trabalho que faço enquanto homem, activista social e artista. Podemos ter um trabalho técnico muito bom e a nível de conteúdo não ser tão bom assim. As vezes temos artistas que levam décadas a descobrir o seu estilo próprio e a razão da sua arte. Posso dizer que estou a ser pago para aprender.



Fala-me um pouco mais do projecto DJUNTARTI
O projecto DJUNTIARTI não é só um show de hip hop. Imagina de cada vez que fazes um show como produtor tens que contactar o artista antes do show e ás vezes no mesmo dia de show. O nosso é diferente. Contactamos antes e durante o projecto até ao dia em que ele actua. O que é que nos leva a fazer isso? Há projectos que jamais apareceriam no mercado se não fosse assim. Como já existe um projecto (que é o DJUNTARTI) não temos que estar a bater em cada porta e perguntar se há algum projecto. Em termos técnicos é muito aliciante. E quando vais filmá-los ao mesmo tempo que criar estás produzir um arquivo desse artista. Daqui há alguns anos esses jovens podem ser advogados, actores e quererem as imagens. Ou pelo simples facto de que esses vídeos propiciam aos nosso pais saberem um pouco das nossas vidas, não é? O que de uma outra forma não haveria possibilidade de me ver. Alem disso daqui há alguns anos esses vídeos poderão ser autênticas relíquias. O trabalho de animação está incluída num miniprojecto Double Click – duas pessoas eu capto o video e Nats edita.



E Ficção?
São múltiplas estórias que eu vivi desde a minha infância. Eu já tive pessoas amigas que se suicidaram que mataram. Percebi a determinada altura que não era só uma estoria minha, mas uma estoria de outras pessoas. Daí procurei apresentar-me não como aquele que é autor disso mas sim como aquele que presencia tal coisa. Qualquer alguém que venha a fazer algo sobre hip hop encontrará coisas que já aconteceram há décadas porque houve coisas que forma uma explosão daquilo que aconteceu há anos atrás. Só agora a imprensa o divulgou. Mas isso de thugs já tem décadas de existência.



De algum modo o fenómeno é provocado pelo acesso que os jovens têm às imagens de violência?
Essas imagens podem dar a ideia de fazer. Mas eu acho que é melhor ver sob o ponto de vista de afirmação. Porquê? Pen-semos num jovem que não está contemplado pelo projecto social que não passa de número de estatística. Ou seja não fazem parte de nada. Não têm direito a nada, nem mesmo direito a uma bolsa de estudos têm. O que é que se pede a alguém que não tem nada? Por exemplo alguns grupos de rapazes no liceu se destacam assim. Costumávamos ouvir de alguem “Kel rapazinhu lá é malkruiadu, ahn?!”. Quando ouvimos algo assim ouvíamos como se fosse um elogio, o que é um erro. Se um pai tem um filho macho que bate noutro pode chatear e repreender mas no fundo fica com orgulho: “o filho é valente”. Por isso não podemos condenar algo por aquilo que no passado ajudamos a criar. Isso é algo na história da adolescência. O que devemos apoiar é o que se faz mais pela positividade. Destacá-los como ídolos, como modelos. Um jovem que não se considera nada pensa assim: se calhar se me juntar aos thugs ganho algum respeito. É mesmo uma questão de afirmação.



*[Entrevista efectuada no átrio deo Centro Cultural Francês, em Novembro de 2009]



Esta reflexão de Dudu Rodrigues traz-nos, naturalmente, uma outra reflexão - a do conflito de gerações, no qual ele parece constituir, obviamente, uma figura consensual. Em relação a isso novo “expedicionário” do vídeo terá, assim, forçosamente, que evitar relacionamentos lineares; desfazer o medo de “umbrais” de sentido; tomar como natural as contingências da nossa produção nacional, que devem ser vistas como simples etapas a ultrapassar; buscar uma maior capacitação tecnológica; evitar estribilhos como aquele de que o povo cabo-verdiano só tem apetência para a música; e trilhar os caminhos da ficção cinematográfica, aventurando-se por essa nova possibilidade expressiva para, assim, entrar num novo ciclo. Para isso alguns pré-requisitos deverão ser levados em linha de conta: se houver, como propõe José Herrera (2000), a criação de irmandades em diversos domínios da criação; se emergir a consciência de que o trabalho de equipa é muito mais importante que a obsessão individual e o laxismo; que o correcto ajuizamento é de que uma criação nunca é completamente original e individualizada. Cumpridas estas condições as coisas poderão melhorar significativamente no meio artístico que se avizinha. Home videos e pequenas produções terão, certamente, o seu devido valor enquanto arte e afirmação no seio de uma camada juvenil que já não quer tanto ler ou escrever mas, sim, filmar.




O cinema autóctone (de modo ainda incipiente em grupos vindos do meio artístico teatral) sairia por certo de um sector privado, mas teria algo de eminentemente social porque esse grupo a existir terá que ter uma verdadeira consciência do meio para poder avançar com segurança. Honestamente creio que vai haver tudo isso antes que o governo tome uma decisão em relação ao sector. Porque do lado de cá da arena cultural a imaginação e a capacidade de produção não falta aos seus intérpretes.







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