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quinta-feira, novembro 03, 2011

O CINEMA COMO CRIADOR DE REALIDADES (3): O acaso e o real no cinema de Eric Rohmer.

Quintana se debruça brevemente sobre a obra de Nõel Bruch, Praxis del cine, nos anos 70, para abrir um parêntesis de carácter histórico que este último trouxe, ao avançar que a escrita clássica, no seu empenho em chegar à transparência da representação, predispôs-se a eliminar todos os problemas derivados do acaso e do aleatório.

Os storyboards e o modelo comercial de produção cinematográfica provocaram segundo Nõel Burch, o «desterro do acaso». Partindo desta observação, o nosso autor regressa ao pensamento de Eric Rohmer sobre o cinema: esse pensamento que se gerou no contexto inicial da nouvelle vague francesa e que se plasmou na totalidade da sua filmografia caracterizada por contos morais, comédias, provérbios e os contos das quatro estações, que contém no seu germe a provocação e a maiêutica como modo de aceder à beleza natural das coisas. Mas não chega a abordar esta última acepção propondo-se, antes, situar o seu ângulo de abordagem no excessivo controlo que ressalta da obra do cineasta e colocar, de seguida, a questão de princípio: que papel joga o acaso nos blocos rígidos que caracteizam os filmes de Eric Rohmer? A resposta do nosso autor é simples: Rohmer estabelece um pacto entre a representação e a natureza, desde uma autoconsciência realista, o que está presentificado, fundamentalmente, na sua obra cinematográfica Conte d’automme (1998). Dado que o devir das estações marca a paisagem, e não sendo possível o controlo da meteorologia, Quintana, partindo desses pressupostos, explica esta obra-prima de Rohmer na citação que se segue:

«(…) toda la estructura de la comédia avanza en estrecha relación com la naturaleza y la luminosidad de la región de Ródano (…) La función que la vendimia, a finales de setiembre, ejerce en la conducta social y las controvérsias que puden provocar los placeres de carácter etílico en la seducción amorosa alterarán el juego de la comédia» (Quintana, 2003: 220).

Sendo assim, bastaria ao cineasta acreditar no poder que o acaso pode ter como vector expressivo do meio cinematográfico. Segundo o autor, o respeito pelas topografias dos lugares, pelo tempo meteorológico, presentes nos painéis horários e a sua relação com «instantes de rodagem» atribui a esse filme a ilusão realista que o cinema rohmeriano alberga, considerando-o, ainda, como uma espécie de instrumento de controlo de tempo. Essa mesma primazia que Rohmer dá ao tempo aparece, segundo o autor, num episódio da longa-metragem em Quatre aventures de Reinette y Mirabelle (1986) na qual o cineasta coloca os dois protagonistas numa granja e os faz escutar os sons da natureza e em que o mistério temporal, presente entre a noite e o dia, aparece sublimado no silêncio total do amanhecer.

Assim, para Quintana, o acaso, no cinema de Rohmer, atinge a seguinte proporção:

«No solo está presente como fenómeno inesperado provocado por la natureza y que la câmara puede llegar a revelar, ya que puede convertirse en un recurso narrativo (…) como se transforma en una figura de la construcción del relato que condiciona el desarrollo de lo narrado y permite la irrupción del final feliz.» (Quintana, 2003:.221)».

Esse acaso que é, todavia, «desterrado», como refere Nõel Burch, quando se trata de fazer uma reconstrução histórica fiel do passado. Quintana exemplifica este facto, na extensa filmografia de Rohmer, com Perceval le gallois (1975), La marquise d’O (1976), e L’anglaisse et le duc (2001), uma vez que o cineasta se viu, na realização destes filmes, naturalmente, obrigado a respeitar os diferentes pontos de vista expressos pelos documentos de época – literários e pictóricos.

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