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sexta-feira, setembro 21, 2007

U de Utopia

«O homem não está só na história, mas leva sobre si próprio a história que explora»
Raymond Aron

A crise da realidade provocada pela Guerra do Golfo, em Janeiro de 1999, e posteriormente pela guerra do Afeganistão, em 2001, gerada como represália aos atentados de 11 de Setembro, levantou o problema da utopia da objectividade televisiva: a imposição de uma hipotética história objectiva da guerra não teve sentido. O poder omnisciente da CNN encontrou, desde logo, um contraponto na contra-informação da cadeia televisiva do mundo islâmico AL-Jazeera. O jogo sujo da guerra das imagens - que se impôs e se impõe durante esses acontecimentos - não cessou e numerosas imagens e informações se colocaram sob suspeita. Talvez a única excepção tenha sido, infelizmente, o atentado de 11 de Setembro contra as torres gémeas de Nova York, em que o relato informativo tel quel superou todos os filmes de catástrofes hollywoodescos.

A crise da verdade televisiva e com ele o modelo de utopia da informação pôs em crise um modelo de realismo entendido como afirmação da objectividade e trouxe ao primeiro plano os limites da ficção. O efeito bigger than life hollywoodesco fornecido pelos relatos comoventes dos protagonistas das tragédias tão pouco resolve esta crise. Atente-se por exemplo no caso do casal McCann - cuja filha Madeleine foi supostamente sequestrada – que, para já, começa a ganhar contornos grotescos e assombrosos prefigurando-se, talvez, como o maior embuste televisivo infligido ao espectador.

O problema de fundo é que se começa a estabelecer uma fronteira volúvel e confusa entre o real e a ficção. Estabeleceu-se já, ao nível do conhecimento humano, uma reformulação do conceito clássico de ficção que voltou a centrar o debate na necessidade ficcional como instrumento para o conhecimento e questiona-se, cada vez mais no mundo académico-universitário, a importância que a ficção pode exercer dentro de uma cultura contemporânea na qual se impôs, para já, uma crise de objectividade informativa. Tal constitui, por exemplo, a posição de Jean Marie Schaeffer na sua obra Pourquoi la ficcion? ( Paris, Seuil, 1999).

Para chegar ao conhecimento das causas reais a história teria que deixar de ser explicação para transformar-se em interpretação das intenções, sentimentos e razões das pessoas envolvidas, defendia Georg Simmel, ainda, no inicio do sec. XIX. Deste modo, somos cúmplices de toda a realidade e estaremos, então, a buscar a nossa verdade ao elevar o nosso nível de interpretação, daquilo que levamos em nós, para ultrapassar essa contínua suspeita em relação á informação televisiva.
A tendência actual é que o cinema de ficção como documento histórico pode estar a responder facilmente a algumas das questões que se encontram em contínuo movimento no presente, mediante a sua fabulação. Chegou-se á conclusão de que as imagens já não são o reflexo da realidade mas sim uma construção dela estando condicionada pelo pensamento que o cineasta inscreve, na qualidade de construtor das imagens. Os procedimentos de carácter estrutural, formal ou técnico dos cineastas devem, em princípio, desvelar o pensamento de uma época. Os casos mais significativos dessa construcção talvez sejam a América paranóica de Oliver Stone; o binómio corpo vs. virtualidade de David Cronenberg; ou o absurdo e queda em abismo de Abbas Kiarostami.

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