Desde que li «A um Deus desconhecido» de John Steinbeck percebi o que é representar de forma ontológica o natural. O imaginário nele expresso apela a qualquer coisa de intrinsicamente bravio e silvestre. Natural não se confunde com sapiência. Natural é a voz e musicalidade de Nancy Vieira sobretudo no seu mais recente album «Lus» que confirma todo o seu potencial e carisma de crioula desprendida e sensual. Natural é o que me ocorre também quando oiço as canções de Norberto Tavares que, na sua busca formal e estilístico, quase que antecipou a revolução operada por Pantera, década mais tarde.
Natural é o apelo que N'Zé di Sant' y 'Agu, heterónimo de José Hoppfer Almada na obra «Assomada Nocturna». Segundo o próprio Zé Hoppfer o N antes de N'Zé está lá, por definição, como a primeira pessoa do sujeito na lingua crioula. A obra, que constitui-se como um único poema, é , na sua estrutura, uma jornada poética de um badio, cioso da sua cultura e das suas origens:
«Lembras-te, Txokáti
do nocturno requiem
dos ciprestes e das buganvillas
dos olhos cintilando
vigilantes escrutando o vôo das garças e das pombas
sobre o rude verde das lemba-lembas
nas noites longas de Assomada?
Todos nós éramos verde poilões resguardando no ventre
rugosos e centenário
os colectores dos espíritos da chuva da vegetação e do tempo
e os salteadores da cobardia
acossados pela polícia
foragidos da lei e da ordem
Todos nós éramos túmulos de lendas e mitos
esconderijos da secular condição
de primogénitos das montanhas
da humanidade das ribeiras
da vastidão do verde
ressumando
sobre o corpo dos sequeiros
em raízes contorcidos.
[in «Assomada Nocturna», cadernos da Lusofonia, pag. 66-67]
Natural é a interpretação dos actores brasileiros nas novelas; artificial o dos actores portugueses, nas primeiras novelas (dj'es arma kômpu). Natural é o cinema de Yasugiro OZU; artificial é interpretação de Mano Preto ( que admiro na dança) no filme «Ilhéu de Contenda» (lá se vai aperfeiçoando a técnika, n'é?). Natural seria Nha Nácia Gómi, á sua maneira, a apresentar o noticiário das nove na televisão. Natural é tambem uma crioula que eu vi passar hoje na Rua do Loreto no Chiado: uma festa de sensualidade que destruiu ali mesmo o ritmo do meu quotidiano.
Enfim N pôde sta ser um poko simplista ma ser natural é um manera di stá na arte y na vida [kel ki ta une pessoas, amigus y kumplisis] . É ta prova ma inda é pussível ser honestu y artista u mesmu tempu, kusa ki N ka ta flá ma ta correspondi á maioria de artistas di nôs praça. N ta atxa també ma es honestidadi y es liberdadi é um interessi verdaderu pa conteúdu y não pa fla flá, astúcia y cenas kantadu na ritmo de ideologia.
Môda nha mãe ta flaba: dádu ku tudu alguem, ou seja ... ser natural.
2 comentários:
Ééééé, precisamos mesmo de muito "N" de natural por estas bandas! Gostei do seu blog, valeu pela lembrança do "Assomada Noturna" que li primeira vez aos 16 anos e fez-me como que sobrevoar a Assomada que não conhecia então. Hoje, ainda descubro Santa Catarina de carro, à pé, e no poema na mesinha de cabeceira...
Abraço,
Obrigado, Paulino. Santa Catarina foi a minha casa nos dois anos que leccionei no Liceu. Partedaminha formação adveio daí, principalmente no que tocaás pessoas e á sua propensão para o trabalho e progressão.
Abraço
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